Valor Econômico, 06/05/2020, Brasil, p. A2

Nível de 2014 só volta em 2023, diz Ferrari

Fabio Graner


A economia brasileira só deve retomar o nível de 2014 ao longo de 2023 e os investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) devem retomar seu pico verificado naquele ano somente em 2027. A avaliação foi feita ao Valor pelo ex-secretário de assuntos econômicos do Ministério do Planejamento e presidente-executivo do Sinditelebrasil (Sindicato das empresas do setor de telecomunicações), Marcos Ferrari.

O cenário foi elaborado com base nas projeções da pesquisa Focus, realizada semanalmente pelo Banco Central, que vão até 2023 e extrapolando estatisticamente essas estimativas. O material dele destaca a elevada dispersão nas projeções do mercado financeiro, mas aponta que o cenário mais provável que se desenha é de uma recuperação com a segunda perna de um V tombado, ou seja, mais alongada.

“Parece pouco provável uma recuperação em V clássico. Há muito fechamento de empresas. O mundo todo está nessa situação e não parece que vai acabar da noite para o dia. A volta deverá ter um novo normal, decorrente da convivência com o vírus e os cuidados que vão continuar existindo”, afirmou.

Pelos números levantados pelo economista, ao fim desse trimestre o PIB deverá estar 11,5% abaixo de 2014, marco da crise econômica anterior, da grande recessão de 2015 e 2016. “Os dados mostram que o impacto da crise em si é muito grande. São praticamente 10 anos de interstício para voltar para voltar ao patamar do início de 2014”, destacou, ressaltando a maior lentidão para a recuperação dos investimentos.

Para ele, esses dados mostram que será preciso um esforço de política econômica para acelerar a recuperação que está projetada. Nesse sentido, ele avalia que as medidas de curto prazo do governo estão na direção correta, mas defende ser preciso que o Banco Central reduza mais os juros básicos.

“De certa maneira as medidas estão no sentido correto, mas o BC pode reduzir juros de maneira um pouco mais acelerada. Com a inflação cadente talvez seja o momento de BC avançar mais na taxa Selic”, disse. Hoje termina a reunião do BC que decide os juros. Para ele, os canais monetários estão um pouco “enferrujados”, o que reduz o impacto dos cortes de juros. Por outro lado, a redução da Selic também beneficia as contas públicas.

Para ele, também é preciso garantir que o crédito chegue na ponta, com medidas que melhores as garantias. “Me parece fundamental trabalhar na oferta de garantias. Os bancos parecem líquidos porém aversão ao risco aumentou muito. O momento é dúbio e liquidez fica empoçada. Os produtos de garantias no mercado pode fazer liquidez avançar”, comentou, defendendo reforço no Fundo Garantidor de Investimentos do BNDES, banco em que foi diretor, e também medidas como compartilhamento de garantias por um pool de bancos privados.

Do ponto de vista fiscal, Ferrari apoia as medidas tomadas pelo governo e concorda que, passada essa fase de socorro, é preciso retomar a trilha de ajuste fiscal e de agenda de marcos regulatório, como saneamento e da tributação da chamada “internet das coisas”, entre uma série de outras.

“O governo está tomando medidas corretas. Precisa ver se a magnitude da ação é suficiente para reverter a situação”, disse. “O governo tem que percorrer o caminho da consolidação depois dessa fase para não perder o rumo, que está tendo desvio pela Covid-19”, completou, defendendo a manutenção do teto de gastos. “Todos países estão adotando medidas fiscais e nós também podemos, mas limitado ao momento e com prudência, dado o nosso quadro grave restrição fiscal”, sentenciou.