Título: A revisão do júri: uma má idéia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 11/05/2008, Opinião, p. A10

A chocante absolvição pelo júri da 2ª Vara Criminal de Belém do fazendeiro Vitalino Bastos de Moura, o Bida ¿ que fora condenado a 30 anos de reclusão, no primeiro julgamento, como mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang ¿ provocou justificado clamor público e danosa repercussão internacional para o país. O próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, declarou-se "indignado" com a reviravolta do processo. Por sua vez, em nota conjunta, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Regional Norte e a Comissão Pastoral da Terra afirmaram que "o mundo assistiu perplexo a mais um caso de impunidade no Pará" e que "o Judiciário paraense parece ser conivente até mesmo com o descumprimento das penas dos pistoleiros condenados".

A instituição do júri, com reconhecida competência para julgar crimes dolosos contra a vida, é uma das cláusulas pétreas da Constituição constantes do título referente aos direitos e garantias fundamentais. Além da plenitude de defesa, o dispositivo assegura a "soberania dos veredictos". E aqui cabe logo um reparo à nota da CNBB-CPT, que peca ao colocar sob suspeição o Judiciário, e não o povo que ¿ sempre representado por sete jurados ¿ condena ou absolve os réus em crimes de homicídio. Cabe ao juiz, apenas, a fixação das penas, observados os limites estabelecidos no Código Penal.

O episódio é, no entanto, muito mais do que pedagógico. Trata-se da gota d¿água que faltava para se exigir do Congresso ¿ cada vez mais soterrado por escândalos e medidas provisórias editadas pelo Executivo ¿ que extirpe de uma vez por todas, do Código de Processo Penal, idoso de 67 anos, o protesto por novo júri. Este recurso automático, que se resume a um simples pedido de novo julgamento do réu, por outros jurados, quando a pena aplicada for superior a 20 anos, é considerado anacrônico pela maioria dos criminalistas. O principal fundamento do instituto era o de permitir o reexame dos casos de aplicação das penas de morte e de prisão perpétua, há muito proibidas pela Constituição. Para evitar o uso automático do recurso, muitos juízes de tribunais do júri preferem fixar em 19 anos e alguns meses penas que deveriam, no entender deles, serem superiores a 20 anos.

O que ocorreu em Belém do Pará provoca, não há dúvida, a sensação generalizada de impunidade e de desmoralização da instituição do júri. Sobretudo quando a principal testemunha de defesa ¿ réu confesso também já condenado, com pena menos rigorosa, por intermediar a empreitada criminosa ¿ mudou o depoimento prestado no primeiro julgamento, e inocentou o fazendeiro Bida, sob suspeita de ter sido "comprado".

Se passa a ser agora competência do Judiciário, provocado pelo Ministério Público, anular ou não o julgamento em que o tribunal popular absolveu o suposto mandante do crime por 5 a 2, está nas mãos do Legislativo a extinção do protesto por novo júri. A Câmara dos Deputados e o Senado já aprovaram projeto nesse sentido, que tramitava no Congresso desde 2001, com base num substitutivo do relator, deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), ex-juiz federal. De acordo com o parlamentar, o projeto pode, finalmente, virar lei, assim que o plenário da Câmara votar as mudanças sofridas pelo substitutivo no Senado. Ele pretende influir para que já nesta semana ¿ com o destrancamento da pauta do plenário, pela primeira vez desde novembro ¿ seja concluído o último turno de votação do projeto, que inclui outras reformas significativas no velho CPP. E acrescenta: "Falta muito pouco para a concretização dessas mudanças que a sociedade tanto espera. Não podemos perder essa rara oportunidade que vai se abrir nos próximos dias".