Valor Econômico, 06/05/2020, Política, p. A7
Mello tira sigilo de inquérito e prevê condução sob vara
Maria Cristina Fernandes
No mesmo dia em que o presidente da República mandou os jornalistas que fazem a cobertura do Palácio do Alvorada calarem a boca, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, deu munição para que continuem a incomodar Jair Bolsonaro com suas perguntas.
Na decisão que dá publicidade ao inquérito sobre as acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, Mello não fez rodeios sobre o que pretende evitar. Citou o “perigoso fascínio do absoluto” que estimulou a ditadura instalada no país em 1964 tendo o sigilo como prática de governo.
Saiu em defesa da liberdade dos jornalistas de buscar informação para poder informar e, 48 horas depois das agressões sofridas pelos profissionais de imprensa na Praça dos Três Poderes por apoiadores do presidente da República, criticou o autoritarismo de sua repressão: “[a liberdade de informar] não pode ser comprometida por atos criminosos de violência política, por interdições censórias ou por outros artifícios estatais [...], não constitui, ao contrário do que supõem mentes autoritárias, concessão estatal”.
Na mesma decisão, Mello demonstra que foi precipitada a cobrança de provas mais contundentes, no depoimento do ex-ministro Sergio Moro, dos crimes imputados ao presidente. A resistência de Moro em fazê-lo denota a tentativa de evitar o crime de prevaricação por não ter cumprido a função de denunciar a conduta do presidente no momento das supostas infrações.
Mello, porém, traçou o caminho das pedras para a produção dessas provas. Autorizou a oitiva dos ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Walter Braga Netto (Casa Civil), além da deputada federal Carla Zambelli e de seis delegados federais mencionados pelo ex-ministro, requerida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.
Deu seguimento, ainda, ao pedido de vídeo da reunião citada por Moro em que o presidente teria cobrado a substituição da Superintendência da Polícia Federal no Rio, além dos comprovantes de autoria das assinaturas digitais da exoneração do ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo, que Moro diz não ter autorizado.
Numa demonstração de que está atento aos cochilos do procurador-geral, requer busca e apreensão do celular do ex-ministro que não constava do pedido de Aras. O procurador se limitara a pedir laudo pericial do celular, mas o ministro Celso de Mello, na decisão, lembrou-lhe que o aparelho não se encontra mais em poder da polícia e, por isso, não poderia ser submetido a exame pericial.
Acrescenta, ainda, ao pedido de Aras, a advertência sobre eventuais tentativas de postergação dos depoimentos. Estabelece cinco dias, renováveis por mais cinco, para que as testemunhas compareçam ao dia, local e hora sugeridos para as oitivas, sob pena de perderem a prerrogativa e estarem sujeitas à condução coercitiva.
Parece improvável que os intimados se recusem a comparecer, mas a decisão do decano do Supremo Tribunal Federal parece ter querido deixar claro, para quem ainda não entendeu, que o inquérito não estará sujeito a intimidação. Se houver obstáculos ao comparecimento dos três generais do Exército, um dos quais ainda na ativa, eles estarão sujeitos a depor “debaixo de vara”.