Valor Econômico, 06/05/2020, Política, p. A8

Toffoli barra medidas municipais de combate a pandemia

Luísa Martins
Isadora Peron


Mesmo depois de o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido que prefeitos têm prerrogativa para implementar medidas de combate ao coronavírus no âmbito de suas competências locais, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, tem barrado algumas iniciativas municipais para conter a pandemia, determinando que sejam seguidas as diretrizes do governo federal.

As decisões anulam decretos que restringiam a circulação de pessoas ou atividades comerciais nos municípios. Em geral, Toffoli argumenta que, apesar da legitimidade das prefeituras para adotar medidas de enfrentamento à covid-19, isso deve ser feito de forma coordenada com as diretrizes do seu Estado ou da União, por meio do Ministério da Saúde ou da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os pedidos chegam ao STF através de um instrumento chamado Suspensão de Liminar (SL), em que os municípios pedem para que a presidência da Corte derrube medidas cautelares desfavoráveis concedidas pelas instâncias inferiores. Os pleitos, contudo, não vêm sendo atendidos.

O caso mais recente envolve a administração de Santa Cruz do Sul (RS), que buscava proibir o atendimento presencial em lojas de produtos naturais. O presidente do Supremo também rejeitou pedido da prefeitura de Jundiaí (SP) para restringir o horário de funcionamento dos postos de combustíveis, bem como uma solicitação do município de Niterói (RJ) para fechar as lojas de conveniência enquanto durar a pandemia.

No âmbito da circulação de pessoas, Toffoli revogou a determinação do município de Salinas (MG) para suspender o transporte público coletivo. Além disso, anulou decreto de Umuarama (PR) que havia imposto toque de recolher e outros dois, de São Bernardo do Campo (SP) e Santo André (SP), que haviam restringido o deslocamento de idosos, um dos principais grupos de risco para o coronavírus.

Por unanimidade, o plenário do STF decidiu, no dia 15 de abril, que prefeitos e governadores podem editar normas de isolamento social e quarentena para combater o avanço da pandemia - ou seja, essa não é uma atribuição exclusiva do governo federal, como defendia o presidente Jair Bolsonaro.

Contudo, a tese aprovada pelos ministros do Supremo não prevê uma autonomia ilimitada aos Estados e municípios. Por isso, quando questionada, a assessoria do STF informou que as decisões de Toffoli não são dissonantes da jurisprudência fixada em plenário.

O ministro já vinha adotando esse entendimento desde antes do julgamento, quando defendia que as decisões isoladas dos governos municipais poderiam “desorganizar” o combate à pandemia e até mesmo surtir efeito contrário - argumento que utilizou ao negar pedido da prefeitura de Teresina (PI) para interromper temporariamente as atividades industriais da Ambev.

Já depois da decisão do plenário, os despachos do presidente do STF, independentemente do município ou do decreto questionado, seguem um padrão: o ministro apresenta o caso, aponta medidas adotadas pelos governos estadual ou federal em sentido contrário e diz que o julgamento do plenário não afasta a necessidade de uma atuação entrosada. Por fim, indefere os pedidos das prefeituras.

“Conforme tenho ressaltado, na análise de pedidos referentes aos efeitos da pandemia de covid-19 entre nós e, especialmente, na tentativa de equacionar os inevitáveis conflitos federativos disso decorrentes, a gravidade da situação vivenciada exige a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum”, escreveu ele, em mais de uma ocasião.

Em relação às medidas que restringem a circulação de pessoas, como o toque de recolher e a limitação de deslocamento de maiores de 60 anos, Toffoli tem argumentado que as regras não encontram amparo em recomendações técnicas expedidas pela Anvisa.

O ministro também destaca que as prefeituras, antes de determinar quais atividades comerciais devem ser consideradas essenciais para continuar funcionando, precisam observar decretos já editados pelo governador do Estado ou pelo presidente da República. “A competência dos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local não afasta a incidência das normas estaduais e federais expedidas com base na competência concorrente.”

Somados, os municípios mencionados nesta reportagem registram 1.928 casos confirmados de coronavírus e 132 mortes em decorrência da doença, de acordo com os dados mais recentes das respectivas secretarias de saúde.