O Estado de S. Paulo, n. 47928, 06/01/2025. Política, p. A6
Avaliação de que Bolsonaro influiu no 8 de Janeiro sobe entre seus eleitores e cai nos de Lula
Weslley Galzo
No último ano, quase triplicou entre eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a percepção de que ele influiu nos atos de 8 de janeiro de 2023. Na ocasião, prédios dos 3 Poderes foram destruídos em Brasília por grupos que pediam intervenção militar. Já entre eleitores lulistas caiu a avaliação de que Bolsonaro influenciou no episódio. Uma explicação para o duplo movimento detectado em pesquisa da Quaest seria o reposicionamento dos moderados nos dois grupos. No caso dos bolsonaristas, teria pesado também indiciamento do capitão reformado e de 39 aliados. A PF atribui a eles os crimes de golpe de Estado, organização criminosa e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito.
A percepção de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve influência nos atos golpistas de 8 de janeiro registrou um salto ao longo do último ano entre os eleitores do próprio capitão reformado do Exército, indiciado pela Polícia Federal (PF) com outros 39 aliados por golpe de Estado, organização criminosa e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito.
Por outro lado, a mesma percepção diminuiu entre eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com a mais recente pesquisa da Quaest sobre os atos que completam dois anos na quarta-feira.
“Ao longo do tempo, os eleitores moderados de Lula, que enxergam algum exagero nas acusações que Bolsonaro vem sofrendo, tendem a relativizar suas posições. Ao mesmo tempo, os eleitores moderados de Bolsonaro, que enxergaram como graves as acusações contra o ex-presidente, tendem a ficar mais severos na avaliação sobre seus atos, para não se sentirem cúmplices de algo que acreditam ser errado”
Felipe Nunes Diretor da Quaest
“Ao longo do tempo, os eleitores moderados de Lula, que enxergam algum exagero nas acusações que Bolsonaro vem sofrendo, tendem a relativizar suas posições. Ao mesmo tempo, os eleitores moderados de Bolsonaro, que enxergaram como graves as acusações contra o ex-presidente, tendem a ficar mais severos na avaliação sobre seus atos, para não se sentirem cúmplices de algo que acreditam ser errado”, explica o cientista político e diretor da Quaest, Felipe Nunes, em entrevista ao Estadão.
A pesquisa foi realizada entre os dias 4 e 9 de dezembro, com 2.012 entrevistas presenciais, com brasileiros de 16 anos ou mais em todos os Estados. A margem de erro é de 2,2 pontos porcentuais para mais ou para menos.
De acordo com o levantamento, 37% dos apoiadores de Bolsonaro reconhecem, atualmente, que o ex-presidente influenciou o que ocorreu no 8 de Janeiro. Há um ano, em sondagem semelhante conduzida pela Quaest, apenas 13% dos eleitores do capitão reformado admitiam algum tipo de influência dele no ataque às sede dos Poderes. Ou seja, esse grupo praticamente triplicou.
A maioria dos eleitores de Bolsonaro segue afirmando que ele não tem nenhuma relação com o que se viu em Brasília dois anos atrás, mas esse número, que chegou a ser de 81% em dezembro de 2023, caiu ao longo de 2024 e hoje é de 55%.
LULISTAS. Ao mesmo tempo em que houve esse movimento entre bolsonaristas, a Quaest identificou um deslocamento contrário entre os eleitores de Lula. Na pesquisa realizada em dezembro passado, 29% dos entrevistados que votaram no petista no segundo turno de 2022 responderam que não associam Bolsonaro ao ocorrido em Brasília dois anos atrás. No levantamento de 2023, somente 16% dos eleitores de Lula não acreditavam na influência do antecessor na invasão aos prédios públicos em Brasília. Ou seja, esta parcela praticamente dobrou.
Ao somar a percepção de todos os grupos demográficos entrevistados pela Quaest em dezembro do ano passado, chegase ao porcentual de 39% dos brasileiros que avaliam não haver influência de Bolsonaro nos episódios de depredação e clamor por intervenção militar no dia 8 de janeiro de 2023. Já os entrevistados que responderam que o ex-presidente contribuiu de alguma forma para o ocorrido são 50%. Os outros 11% fazem parte do grupo que não soube responder ou preferiu não se manifestar.
O aniversário de dois anos da tentativa de golpe no Brasil acontecerá dois dias após o marco de quatro anos da invasão ao Capitólio, sede do Congresso dos EUA, em dia 6 de janeiro de 2021. A invasão das sedes da Câmara dos Representantes e do Senado por apoiadores do então presidente Donald Trump – que voltará à Casa Branca no dia 20 de janeiro – deixou cinco mortos, incluindo um policial. Ainda assim, o apoio ao ato golpista nos EUA vem crescendo consistentemente na população americana.
CAPITÓLIO. Um mês após o 6 de janeiro de 2021, 9% dos norteamericanos demonstravam apoio ao ocorrido, de acordo com pesquisa realizada pela Instituição YouGov. Comparativamente, apenas 4% dos brasileiros apoiavam o ataque aos Três Poderes no mês seguinte ao 8 de janeiro, segundo levantamento da Quaest.
Um ano após cada um dos incidentes, eram 6% os brasileiros favoráveis aos atos em Brasília, ante 14% dos americanos. Dois anos depois, 20% da população dos EUA defendia a depredação do Capitólio incitada pelo presidente Trump. No Brasil, em contrapartida, após período idêntico, somente 7% das pessoas aprovam a investida violenta contra as instituições democráticas ocorrida em 2023.
Para Felipe Nunes, o comportamento dos cidadãos nos dois países em relação aos ataques que ameaçaram as instituições democráticas está relacionado à maneira como os governantes de turno, Joe Biden e Lula, lidaram com a questão.
“Enquanto Biden politizou o debate sobre o 6/1, fazendo com que republicanos e democratas se comportem como torcedores diante de um jogo, o governo Lula, a meu ver, tem tratado o assunto, na maior parte das vezes, como um problema de Estado, com cautela, permitindo que os inquéritos sejam conduzidos no tempo apropriado do Estado Democrático de Direito.”
DESAPROVAÇÃO. Apesar de um leve recuo, a grande maioria da população brasileira ainda desaprova os atos golpistas. O levantamento da Quaest identificou que 86% dos entrevistados se dizem contrários ao ocorrido na capital federal. No ano retrasado, essa parcela era de 89%. Entre os que apoiam as depredações, houve oscilação dentro da margem de erro. Em dezembro de 2023 eram 6%, taxa que passou para 7% na sondagem feita no mês passado.
Os índices se mantiveram estáveis em praticamente todos os grupos demográficos analisados, que incluem segmentação por religião, gênero, raça, escolaridade e renda.
Impacto O fator mais contundente para provocar a mudança seria o detalhamento dos inquéritos da PF
O sentimento de desaprovação é compartilhado até mesmo entre aqueles que têm avaliações diferentes sobre o governo do presidente Lula. No grupo que considera a gestão petista positiva, a desaprovação é de 88%. Isso difere da opinião expressa pelos entrevistados que consideram o atual governo regular (86% de desaprovação do 8 de Janeiro) ou negativo (84% desaprovação).
“A rejeição aos atos do 8/1 mostra a força da democracia brasileira e a responsabilidade da elite política até aqui. Diante de tanta polarização, é de se celebrar que o País não tenha caído na armadilha da politização da violência institucional”, avaliou o CEO da Quaest. Para ele, entre 2023 e 2024, parecia haver uma relativização da participação do ex-presidente na organização dos atos.
“Mas essa tendência não se confirmou nesta pesquisa, o que sugere que alguma mudança significativa de percepção aconteceu nesse período. O fato mais contundente capaz de provocar essa mudança de tendência foi a publicação de documentos e evidências em torno da tentativa de golpe.” •