O Estado de S. Paulo, n. 47938, 16/01/2025. Economia & Negócios, p. B1

Após onda de fake news, governo recua em ordem para monitorar Pix
Fernanda Trisotto
Caio Spechoto
Sofia Aguiar

 

 

Checagem de movimentações acima de R$ 5 mil não será mais feita e uma MP reforçará veto a uma taxação.

Após uma onda de notícias falsas sobre a tributação e o pagamento de taxas em operações com o Pix, o governo recuou e decidiu ontem revogar uma instrução normativa da Receita Federal que entrou em vigor no dia 1.º e que obrigava as instituições financeiras a informar movimentações, inclusive pelo Pix, acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas.

O governo vai ainda publicar uma medida provisória para reforçar que não haverá taxação de transações feitas pelo meio de pagamento instantâneo.

O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, anunciou ainda que a Polícia Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU) vão investigar e responsabilizar quem divulgou informações distorcidas ou aplicou golpes usando norma revogada ontem. Segundo Barreirinhas, nos últimos dias houve uma série de distorções e manipulações do ato normativo da Receita, o que “prejudicou milhões de pessoas e gerou pânico na população”.

“Por conta dessa continuidade do dano, da manipulação desse ato da Receita, eu decidi revogar esse ato”, justificou Barreirinhas ontem, após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto,

Número de transações via Pix caiu 15% neste início de ano em relação ao mesmo período de dezembro

da qual participaram também o advogado-geral da União, Jorge Messias, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Quando divulgou a normativa, no ano passado, a Receita informou que a medida tinha o objetivo de melhorar o monitoramento das operações financeiras no País.

Entre os dias 1.º e 14 deste mês, o número de transações via Pix totalizou 2,28 bilhões, queda de 15% em relação ao mesmo período de dezembro de 2024, quando foram realizadas 2,69 bilhões de transações ( mais informações na página B2).

Na mesma entrevista, Haddad também anunciou que o governo vai publicar uma medida provisória (MP) para reforçar a gratuidade e sigilo bancário do Pix.

“A medida provisória reforça os princípios tanto da não oneração, da gratuidade do uso do Pix, quanto de todas as cláusulas de sigilo bancário em torno do Pix, que foram dois objetos de exploração por parte dessas pessoas que estão, na nossa opinião, cometendo um crime”, afirmou o ministro.

Desde a semana passada, o Pix é alvo de uma onda de desinformação, parte dela promovida por parlamentares (deputados e senadores) da oposição, com a veiculação de vídeos em redes sociais que atingiram audiência muito maior do que desmentidos postados por governistas.

Segundo Haddad, a medida provisória “praticamente equipara” o Pix ao pagamento em dinheiro. “O que isso significa? Que essas práticas que estão sendo utilizadas hoje com base na fake news de cobrar a mais por aquilo que é pago em Pix na comparação com dinheiro estão vedadas.” •

A oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou ampla vantagem sobre o governo e conseguiu alcançar muito mais pessoas ao falar sobre a medida da Receita Federal que envolvia o Pix, de acordo com levantamento realizado pela Bites, empresa de análise de dados.

Nos últimos sete dias até ontem, aponta a Bites, apenas as publicações de integrantes da bancada do PL na Câmara dos Deputados somaram 4,6 milhões de interações (estatística que reúne compartilhamentos, curtidas e comentários), ante 218,6 mil das postagens dos parlamentares petistas – ou seja, um número cerca de 20 vezes maior.

Grande parte do sucesso na comunicação se deveu a um vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que teve mais de 170 milhões de visualizações em apenas um dia. Das 4,6 milhões de interações geradas pela oposição, ele foi responsável por 3,5 milhões – o que equivale a 76% do total.

No vídeo, o deputado mineiro faz especulações sobre a possibilidade de taxação do Pix, lembrando de promessas não cumpridas pelo governo no passado. “Não, o Pix não será taxado. Mas é bom lembrar que a comprinha da China não seria taxada, foi. Não teria sigilo, mas teve. Você ia ser isento do Imposto de Renda, não será mais”, diz ele no vídeo. “Qual o objetivo real dessas medidas? Arrecadar mais impostos, tirar dinheiro do seu bolso.”

Outros vídeos de oposicionistas insinuam que o Pix poderá ser taxado a partir dessa mudança, ainda que a Receita Federal, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e até o presidente Lula negassem essa possibilidade.

“Qual o objetivo? Será que taxar esse brasileiro, que já paga imposto demais em nosso País? Ou será que tem um objetivo oculto que nós não sabemos?”, questiona o deputado Coronel Assis (União-MT) em vídeo publicado nas redes sociais por deputados da oposição na Câmara.

Publicações da oposição tiveram 4,6 milhões de interações, contra 218 mil dos posts de petistas

O governo tentava uma contraofensiva desde a semana passada, quando começaram a circular em redes sociais as notícias falsas sobre a taxação do Pix. Diante do insucesso, Lula encomendou com “muita ênfase” um “combate duro” às fake news, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A Advocacia-Geral da União (AGU) irá tomar as providências cabíveis, inclusive a abertura de ações criminais, se necessário, contra quem está propagando notícias falsas.

Para Manoel Fernandes, diretor executivo da Bites, o governo precisará de bastante tempo para resolver o problema. “Não é algo que vai se resolver em duas semanas. Porque a máquina da oposição é mais estruturada.” •