Título: Já investimos R$ 4 bilhões no país
Autor: Camarão, Rodrigo
Fonte: Jornal do Brasil, 11/05/2008, Economia, p. E1

A Companhia Siderúrgica do Atlântico vai gerar 3.500 empregos diretos no Rio de Janeiro.

Quando a gigante da siderurgia ThyssenKrupp Steel decidiu construir a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) no Rio, todos os rostos do Conselho de Administração da empresa alemã se voltaram para os olhos azuis de Hans-Ulrich Lindenberg. Como responsável pelo setor de autofornos e novas construções, Lindenberg era um costumaz visitante de minas brasileiras, como a de Carajás.

Em dezembro de 2005, ele se mudou definitivamente para a Lagoa, na Zona Sul do Rio, para assumir a cadeira de presidente do Conselho de Administração da ThyssenKrupp CSA no país. Todos os dias, roda mais de 60 quilômetros para chegar ao trabalho ¿ um enorme canteiro de obras de 9 milhões de metros quadrados em Santa Cruz, ao lado da fábrica da Gerdau. Um desafio tanto do ponto de vista da engenharia quanto da preservação do meio ambiente.

A CSA trabalha num ritmo incessante para começar a operar em março do ano que vem e atingir a meta de produção de 5 milhões de toneladas de aço ¿ toda voltada ao mercado, especialmente os Estados Unidos e a Europa. Hoje, a CSA emprega 15 mil pessoas e deve ainda chegar a 18 mil funcionários, a maior parte do Estado do Rio. Durante a produção, vai gerar 3.500 postos de trabalho.

Por que a ThyssenKrupp escolheu o Rio para instalar a Companhia Siderúrgica do Atlântico, em parceria com a Vale?

¿ A ThyssenKrupp quer e precisa se expandir para crescer entre as grandes siderúrgicas do mundo ¿ os grades players no mercado, como ArcelorMittal e Nippon Steel. A Thyssen tem de crescer se quiser manter seu papel como, diria, a melhor fornecedora para seus clientes. Esses clientes são empresas desde a Honda, Hyundai até fabricantes de máquinas de lavar roupa. Todas essas empresas têm mercado mundial e se você se propõe a supri-las, precisa fazer isso no mundo inteiro, na China, nos Estados Unidos, em qualquer lugar.

Em que posição está a empresa entre as siderúrgicas mundiais?

¿ Há dois rankings. Um deles é em tonelagem e a Thyssen é a décima no mundo. A maior é a ArcelorMittal com mais de 100 milhões de toneladas. Thyssen tem 20 milhões de toneladas. Mas, em vendas, a ThyssenKrupp Steel é a quarta, o que mostra que temos um alcance muito maior de produtos com alto valor agregado. Temos desde o aço simples e barato até o sofisticado, que pode ser muito caro, para edificações especiais. Há muito mais dinheiro. Isso mostra que nossa estratégia vai muito mais para esse produto com alto valor agregado. Não queremos apenas aumentar nossa tonelagem, queremos continuar no top 10.

Quais são os principais clientes?

¿ Principalmente, a indústria automotiva. Mas também a de construção civil, todo tipo de equipamento e maquinário pesado para construção, como guindastes, Catterpillar, por exemplo. São tipos de aço com maior grau de resistência e que custam muito mais caro também. Por razões como essas, nós queremos investir para expandir nossas atividades assim como as outras companhias, nada de diferente. Então, pensamos onde investir. Primeiro, surgiu a própria Alemanha, com novos investimentos. Mas há duas alternativas. Ir para a área onde a matéria-prima está ou para onde os clientes estão. Nós estudamos ir para a Rússia, Austrália, Índia, EUA. Em todos esses lugares, havia oferta de minério de ferro e carvão e ainda a proximidade maior dos consumidores do que na Alemanha. Os consumidores da Europa, podemos suprir da própria Alemanha. Os EUA estão muito longe e não faz muito sentido. Para pegar o minério de ferro no Brasil, levar para a Alemanha para produção e só então para os EUA. Nos Estados Unidos, há leis antidumping, taxas e outras reivindicações de companhias americanas que fazem com que o negócio não seja dos melhores.

E escolheram o Brasil.

¿ Fizemos um estudo de viabilidade. Tínhamos três opções. Queríamos estar perto do oceano por uma questão logística de transporte e precisávamos ficar no caminho de uma ferrovia para trazer o minério de ferro. Vitória foi uma possibilidade, onde a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) já está. Depois, São Luís, no Maranhão. A terceira foi o ponto final da ferrovia MRS. Por muitas razões, escolhemos o Rio. Aqui temos mais possibilidades de recrutar trabalhadores, pois há uma área industrial já desenvolvida entre Rio e São Paulo. Temos boas condições de clima. No Rio podemos vender o excedente da energia que produzimos. E fizemos parceria com a Votorantim para vender a escória, material para produção de cimento que surge na produção do aço e não tem utilidade para nós. A Votorantim a usa para produzir o cimento. Isso é interessante numa área que tem muitas construções, como Rio e São Paulo. Além disso, fomos muito bem-vindos aqui.

O Estado deu incentivos fiscais?

¿ Deu a área, que veio da Codin (Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro). Nós pagamos e a Codin providenciou a remoção e o reassentamento das famílias. Acho que para o Rio foi muito importante, depois de tantos anos sem grandes investimentos no Estado.

Como foi a negociação para trazer a fabrica para o Estado?

¿ Garantimos que não iríamos simplesmente importar todo o maquinário de fora do Rio ou do Brasil. Fechamos pelo menos US$ 500 milhões em contratos de aquisições e contratações no Estado do Rio. Mas a realidade é que já investimos R$ 1,9 bilhão. No Brasil, inclusive o Rio, já colocamos R$ 4 bilhões em compras de equipamentos e serviços, ou dois terços do total. Esse número ainda vai aumentar. Por ano, sem contar a matéria-prima, temos o gasto de R$ 250 milhões só para fazer a fábrica funcionar. Sozinha, a CSA será responsável pelo aumento de 40% na exportação brasileira de aço. Não é pouca coisa.

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) também planeja construir uma usina na região de Santa Cruz. O que o senhor acha disso?

¿ Eles têm esse projeto há muitos anos. Não temos nenhum problema com isso. Já temos a Gerdau como vizinha e um bom relacionamento com eles. A Gerdau produz apenas aços longos, com processos de produção diferente. Nós fazemos placas de aço. A Gerdau produz vergalhão para construção de casas, por exemplo. Se você voltar no passado, nos anos 70, uma planta da Cosigua foi construída já com uma joint venture entre Gerdau e ThyssenKrupp Steel. A CSN produz os dois tipos de aço, longos e placas. Pelo que li nos jornais, eles pretendem fabricar o mesmo tipo de aço que nós, com 4,5 milhões de toneladas, próximo da nossa tonelagem, que será de 5 milhões de toneladas.

A CSN deve destinar parte da produção para o mercado interno brasileiro. Mas a idéia da Thyssen é exportar toda a produção. Se o Brasil tem mercado consumidor, por que não aproveita-lo também?

¿ Nós precisamos dessa produção para os clientes que já temos no mundo todo. Por isso, não venderemos para o Brasil. O mercado brasileiro também é, de certa forma, protegido por taxas. Nós já temos aqui um investimento enorme, de 3 bilhões de euros, algo em torno de US$ 5 bilhões. É o tamanho mais otimizado para uma planta de aço. Tem capacidade de chegar a 10 milhões de toneladas, mas perde essa otimização. Nossa estratégia é exportar dois milhões de toneladas de placas semi-manufaturadas para a Alemanha, onde teremos capacidade de processar o produto e estar perto do mercado consumidor europeu. As outras 3 milhões de toneladas irão para o Estado americano do Alabama, onde estamos construindo uma outra fábrica da Thyssen Krupp, num investimento semelhante a esse do Rio. Lá teremos uma boa logística, já que fica perto do oceano e oferece uma chance de alcançar o mercado americano. Os EUA têm minério de ferro do norte, mas não tão bom quanto o brasileiro. Aqui é o melhor do mundo.

Se a CSA duplicar a produção olhará mais para o mercado brasileiro?

¿ Poderia ser uma possibilidade. Aqui há mercado e necessidade de aço. Nesse caso, não faríamos tudo junto, mas iríamos procurar um parceiro brasileiro para concretizar o projeto. Não basta apenas produzir o aço, mas também desenvolver o mercado. Não viemos aqui para brigar com os produtores brasileiros, porque isso normalmente é ruim para as duas partes. Com a disputa, há redução de preços e todos saem perdendo. Por isso, começamos com a produção apenas de semimanufaturados. É muito mais interessante para agregar valor ao produto do que exportar a matéria-prima bruta. São necessárias 1,7 toneladas de minério de ferro para produzir uma tonelada de placas de aço. O custo dessa quantidade de minério de ferro é de aproximadamente US$ 150. A placa de aço é vendida a US$ 550. Se multiplicar a diferença de US$ 400 por 5 milhões de toneladas por ano, terá o total do valor agregado na produção. É muito mais inteligente que vender a matéria-prima bruta. Além disso, mais pessoas são beneficiadas, há mais geração de emprego e renda.

Quantos trabalhadores a CSA emprega atualmente?

¿ Hoje temos 15 mil pessoas trabalhando na construção. O número chegará até o meio do ano a 18 mil ainda durante a construção. São todos brasileiros e a grande maioria, do Rio. Na fase de operação da planta, a partir de março do ano que vem, haverá 3.500 trabalhadores diretos, fora os indiretos. Precisamos também de profissionais qualificados. Publicamos anúncios em meados do ano passado para atrair pessoas. Recebemos 42 mil currículos de todas as áreas. Hoje, temos programa de treinamento das pessoas. As mais qualificadas vão para a Alemanha. Ao todo, 250 pessoas vão participar do programa na Alemanha. Ficarão por no máximo um ano. Outro grupo, de 600 pessoas, vai treinar em companhias parceiras como Gerdau e Usiminas. Os funcionários da logística, como operadores de guindaste, ou operação do porto, serão treinados pela Vale. Os funcionários da coqueria vão para a China, porque foi lá que a tecnologia foi desenvolvida.

E a questão do impacto ambiental de um empreendimento deste tamanho?

¿ Começamos a discutir a questão ambiental ainda em 2005. A Vale, que tem 10% no empreendimento, nos deu muita ajuda. À época, era um projeto meio a meio com a Vale, mas eles recuaram e nós resolvemos financiar 90% da obra. Mas a Vale ainda está no Conselho da CSA. Assinamos o maior contrato de minério de ferro que a Vale já tinha fechado com qualquer país. É o fornecimento de 8,5 milhões de toneladas de minério de ferro durante 15 anos. Trabalhamos com Feema e Ibama, dividimos o processo de licenciamento em dois.

Quais?

¿ Um era para dragagem, porto e a melhora das condições de solo. O outro licenciamento foi para as instalações em si. Eu devo elogiar as autoridades brasileiras. Essas duas licenças ficaram prontas em setembro de 2006, exatamente no prazo para o lançamento da pedra fundamental, no mês seguinte. Foi muito rápido. Desde o começo, convencemos as autoridades de que iríamos trazer a melhor tecnologia e que estaríamos no estado da arte em termos ambientais, com controle de emissão de gases, poeira, estações de tratamento de água, redução de ruído. As autoridades no Brasil não são preguiçosas. Elas sabem o que fazem e como se faz no mundo. Também deixamos claro que não chegaríamos com níveis de exigência inferiores aos usados na Europa.

A CSA será auto-suficiente em energia?

¿ Estamos construindo uma usina com capacidade para 490MW de potência. Vamos utilizar 200MW. O resto, venderemos no último leilão da Aneel para entrega a partir de janeiro de 2011. Assim, contribuímos com a oferta de energia. Essa quantidade seria capaz de abastecer 17% do Estado do Rio ou 41% da capital.

A empresa irá fornecer 3 milhões de toneladas aos Estados Unidos. Não há risco de a crise americana afetar essa demanda?

¿ Nós não estamos preocupados com isso. Achamos que a crise dos EUA é como a bolha da Ásia que explodiu, mas o continente superou isso. É claro que afeta os mercados e ainda não acabou. Mas o consumo, especialmente de aço, vai crescer. Nosso trabalho nos EUA começará em 2010, um ano depois desse projeto no Brasil. Começaremos devagar. Os primeiros carregamentos vão para a Europa, com 2 milhões de toneladas imediatamente. Então, só chegaremos aos EUA mesmo em 2010, 2011, quando, acreditamos, indústrias como a automotiva estarão muito melhores. Além disso, nossa contribuição para o mercado americano, com essas 3 milhões de toneladas, não será tão grande assim, já que os EUA consomem 100 milhões de toneladas por ano.

O dólar desvalorizado tem prejudicado vocês em que medida?

¿ Para nosso orçamento, é ruim, porque temos que pagar mais e nosso gasto deve subir no mínimo US$ 50 milhões. Mas isso para a fase de construção. Na época de produção, não será mais tão importante, já que os contratos de minério de ferro e as placas de aço serão em dólar.