O Estado de S. Paulo, n. 47933, 11/01/2025. Economia & Negócios, p. B4

Fake news sobre Pix preocupa usuários e comércio; Planalto reage
Levy Teles

 

 

O comerciante Jiovane Ferreira vende produtos eletrônicos no centro de Ceilândia, periferia de Brasília, há dois anos. Assim como outros vendedores e consumidores da região, neste começo de ano ele está mais preocupado em usar o Pix. “O pessoal está com medo de ser taxado”, diz. “Tem gente que está usando CPF de outra pessoa para comprar, dividindo meio a meio para não ficar só em uma pessoa.”

É uma reação ao s vídeos postados nas redes sociais que dizem que a Receita Federal passaria a taxar o meio de pagamento. E que foram desmentidos pela Receita, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma contraofensiva foi articulada pela Secretaria de Comunicação Social (Secom), pasta em que passa por transição, com a saída de Paulo Pimenta para dar lugar ao novo ministro, Sidônio Palmeira.

Dados da agência de análise dados Palver mostram que uma em cada quatro mensagens sobre o Pix em 500 grupos no WhatsApp envolvem a palavra “taxação” ou termos semelhantes. A amostra reúne 22,4 mil mensagens trocadas nas últimas duas semanas. E entre as mensagens mais virais, há conteúdos que dizem, por exemplo, que o PT quer criminalizar o porte de dinheiro físico para aumentar a arrecadação por taxação de pessoas físicas.

Outro levantamento, da Bites, mostrou que houve 548 mil menções ao Pix que geraram 6,5 milhões de interações no Twitter, em blogs, no YouTube, no Reddit, em páginas abertas do Facebook, perfis selecionados do Instagram e em notícias.

Foram mais de 500 mil pesquisas feitas no Google nos últimos quatro dias, segundo dados do Google Trends. O pico de pesquisas na semana ocorreu ontem. Nos últimos dias, ministros tentam disseminar mensagens desmentindo essas informações.

Paloma Rosa Souza, dona de um pequeno estabelecimento no bairro de São Caetano, na periferia da cidade de Salvador, é ainda mais cautelosa que Jiovane e diz que prefere não usar o Pix por enquanto. “Por aqui, ainda estamos tentando entender”, afirma. Ela conta que outros comerciantes vizinhos e clientes estão deixando de usar o meio de pagamento de transferência imediata.

OPOSIÇÃO. Parlamentares de oposição aproveitam para fazer ironias. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), por exemplo, publicou um vídeo em que ele “faz o ‘L’” enquanto expõe uma placa que diz que não aceita pagamentos em cartão de crédito, débito, Pix ou transferência bancária.

“Agora, com essas medidas, o governo Lula pode acabar enterrando o Pix e, de quebra, ressuscitando o cheque!”, escreveu o deputado estadual por São Paulo Rubinho Nunes (União Brasil).

Nesta quinta-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou uma notificação extrajudicial ao Facebook pedindo a remoção, em 24 horas, de um vídeo falso em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece dizer que irá “taxar tudo”, inclusive “cachorrinho de estimação”. Esse material falso foi feito por inteligência artificial e foi encontrado em grupos de discussão política no WhatsApp pela reportagem.

O próprio Haddad veio a público desmentir o conteúdo. “A única coisa verdadeira desse vídeo que está circulando é que, de fato, as empresas, os cassinos virtuais, chamadas bets, que são casas de apostas que lucram uma montanha de dinheiro, essas casas de apostas vão ter que pagar impostos devidos como qualquer outra empresa instalada no Brasil. Fora isso, é tudo falso”, disse o ministro em vídeo publicado nas redes sociais.

A empreitada faz parte de uma articulação que envolve a própria Receita e a Secom para desarticular a desinformação.

“Atenção! Não existe tributação sobre Pix, e nunca vai existir, até porque a Constituição não autoriza imposto sobre movimentação financeira”, disse a Receita Federal em comunicado divulgado na quinta-feira. “A Receita Federal, portanto, não cobra e jamais vai cobrar impostos sobre transações feitas via Pix.”

O alerta representa uma escalada em comparação a uma nota publicada dois dias antes, na qual a Receita adotou um tom mais didático.

Já a Secom entrou na campanha contra a desinformação com mais intensidade ontem. A pasta publicou um vídeo no canal do WhatsApp e outro em redes sociais, como Facebook e Instagram, para desmentir a taxação sobre o Pix. “A medida é apenas um reforço na fiscalização. Não caia em fake. Não haverá cobrança de imposto sobre o Pix”, diz o conteúdo, de 30 segundos de duração.

No final da tarde de ontem, o próprio presidente Lula compartilhou um vídeo nas redes em que diz que irá fazer uma doação para o Corinthians por Pix em resposta às “mentiras em todas as redes sociais” ( mais informações nesta página).

Na quinta-feira, a Fazenda também produziu um conteúdo em imagens explicação a resolução. “Tire suas dúvidas e oriente amigos e familiares”, dizia o informe.

Grupos de militância ligados ao Instituto Lula, como o Caçadores de Fake News, também produziram conteúdos para dizer que nada mudará para o usuário comum do Pix com as novas regras. “Para nós, usuá

“Agora, com essas medidas, o governo Lula pode acabar enterrando o Pix e, de quebra, ressuscitando o cheque!”

Rubinho Nunes

Deputado (União Brasil)

“A Receita não cobra e jamais vai cobrar impostos sobre o Pix”

Comunicado da Receita Federal

rios comuns, nada muda!”, finaliza a mensagem.

NORMA. No dia 1º de janeiro, a Receita Federal publicou uma instrução normativa em que informa que adotará o monitoramento de dados de cartão de crédito e Pix para transações superiores a R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas. Instituições financeiras agora terão de reportar transações que ultrapassem esses valores em um mês.

As medidas não criam um novo imposto, já que não há taxação sobre circulação financeira no Brasil. “O que se terá é mais um controle da Receita Federal sobre as movimentações bancárias, o que já era de acesso, mas agora de uma forma mais detalhada e precisa”, diz Luciano Burti, advogado tributarista e sócio do escritório CBLM Advogados. •