Valor Econômico, 06/05/2020, Empresas, p. B1

Até crise, demanda nos aeroportos já sofria baixa de 29%

Taís Hirata


Passados quase dez anos desde o primeiro leilão de aeroportos do país, as concessões do setor registraram, em média, uma frustração de 29% na movimentação de passageiros - uma taxa que tende a se ampliar de forma significativa até o fim dos contratos.

A conclusão é de um levantamento realizado pela consultoria Roland Berger, que observou a evolução dos aeroportos desde o ano em que os estudos de viabilidade foram feitos até 2019.

Trata-se de uma análise que olha para trás, mas revela um cenário preocupante para o futuro.

Primeiro, porque deixa claro que os aeroportos entram já debilitados em uma nova turbulência econômica, embora haja diferenças entre as concessões - no caso do aeroporto de Porto Alegre (RS), por exemplo, a frustração de demanda é de 7%, enquanto, no Galeão (RJ), a taxa chega a 36%, e no de Viracopos (SP), a 44%.

A pesquisa também evidencia outro aspecto alarmante: a frustração de passageiros em um determinado ano não se recupera nunca, e os efeitos de uma crise se arrastam ao longo de todo o contrato, afirma Gustavo Lopes, sócio-diretor da consultoria responsável pelo levantamento.

“Quando há um choque de demanda, o ponto de partida será sempre mais baixo, mesmo que nos anos seguintes haja um ganho conforme o esperado”, diz.

No levantamento, essa perda acumulada ao longo dos anos se mostrou ainda mais relevante do que o impacto da frustração do Produto Interno Bruto (PIB).

Ao projetar os resultados no cenário atual, a conclusão é que a perda de passageiros vivida hoje prejudicará as concessões por vários anos, e que um reequilíbrio econômico-financeiro em 2020 será essencial, mas não suficiente, afirma Lopes.

Para o sócio diretor da Alvarez & Marsal, André Bucione, que assessorou o aeroporto de Viracopos em sua reestruturação, a crise atual demandará soluções sem precedentes e exigirá que concessionárias, poder público e financiadores sentem juntos à mesa de negociação.

Uma de suas propostas é uma repactuação do contrato, para que, por exemplo, as outorgas fixas devidas pelas concessionárias ao poder público passem a ser variáveis, atreladas à receita, e que os investimentos exigidos em contrato sejam vinculados a gatilhos de demanda.

Esses mecanismos de flexibilização já estão presentes nas concessões mais recentes de aeroportos, mas os contratos antigos, como o de Guarulhos, Brasília e Viracopos, têm obrigações mais rígidas - que não foram afrouxadas pelo poder público, mesmo diante da crise de algumas concessionárias nos últimos anos.

Para Bucione, a rápida resposta do governo ao adiar o pagamento de outorgas é um sinal positivo. “Vemos que uma postura mais pragmática começa a chegar na ponta”, afirma.

Os processos de reequilíbrio econômico-financeiros também tendem a se tornar mais complexos com o tempo, avalia Daniel Engel, sócio de infraestrutura do Veirano Advogados.

Hoje, há um consenso jurídico de que o concessionário terá direito à compensação pelos efeitos provocados pelo covid-19. “Com o passar dos anos, porém, se tornará cada vez mais difícil diferenciar o que é um impacto direto da crise e o que é um risco de demanda natural do negócio, que é de responsabilidade do concessionário”, diz ele.

As divergências deverão começar já neste ano, na discussão sobre a metodologia para calcular o impacto da pandemia na receita dos aeroportos.

Uma das dúvidas, por exemplo, é qual a melhor referência a ser usada para medir a queda na receita deste ano - poderiam se usar como base os resultados de 2019 ou o orçamento de cada concessionária para 2020, afirma Lopes, da Roland Berger.

Para ele, é importante que as discussões sobre esses cálculos sejam feitas o quanto antes e de forma coordenada entre os aeroportos, para evitar uma nova onda de judicialização no setor.