Valor Econômico, 06/05/2020, Empresas, p. B1
Governo descarta salvar concessionárias “doentes”
Daniel Rittner
O governo não permitirá que operadoras de aeroportos e rodovias com longo histórico de inadimplência contratual usem a pandemia de covid-19 como “tábua de salvação” para suas concessões, advertiu nesta manhã o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, em seminário virtual organizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Em outras palavras, a mensagem de Tarcísio foi clara: o governo reconhece, com base em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que a queda de demanda provocada pelo avanço do coronavírus não pode ser tratada como risco do negócio e justifica o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. No entanto, esse reconhecimento está longe de significar um perdão para os descumprimentos anteriores à pandemia e haverá cuidado para não salvar concessionárias que “já estavam doentes”, nas palavras do ministro.
Haverá uma jornada de reequilíbrios”, admitiu. Ele citou o caso dos aeroportos, afetados pelo cancelamento de mais de 90% dos voos domésticos e internacionais, como exemplo. A cobrança das parcelas anuais de outorga já foi adiada para dezembro, por meio de medida provisória, e o ministério estuda com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) formas de fazer essa repactuação até o fim do ano.
Em seguida, veio o alerta: “A gente entende que a pandemia afetou os contratos de forma imprevisível, mas precisamos ter reservas. Para a configuração disso [reequilíbrio contratual por evento de força maior ou caso fortuito], é necessário analisar caso a caso. Não podemos esquecer o histórico das concessões. Tínhamos concessionárias extremamente inadimplentes, em situação dramática, antes da pandemia. Ela não pode ser tábua de salvação para postergar processos de caducidade ou de devolução”.
Tarcísio mencionou as rodovias da 3ª etapa de concessões federais, leiloadas no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, para ilustrar o problema. À exceção da BR-050 (entre Goiás e Minas Gerais), hoje operada pela Ecorodovias, nenhuma cumpriu a exigência de duplicar integralmente suas pistas em cinco anos. O caso da operadora responsável pelo aeroporto de Viracopos (SP), que está em recuperação judicial e aceitou devolver amigavelmente a concessão, não foi citado.
Por outro lado, as rodovias da 2ª etapa - licitadas na gestão Lula - têm pedágios muito baratos e podem comportar um acréscimo nas tarifas para permitir eventual reequilíbrio. O ministro também abriu a possibilidade de incluir novas exigências de obras nos contratos, em estradas como a Fernão Dias (São Paulo-Belo Horizonte), mediante compensação tarifária.
O deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), relator do novo marco legal de concessões e parcerias público-privadas (PPPs), também participou do debate virtual e alertou sobre a necessidade de “evitar oportunismo” nos pedidos de reequilíbrios econômico-financeiros.
Jardim, entretanto, considera que as repactuações contratuais serão necessárias e recomenda a observância de três pontos: agilidade, uniformização dos procedimentos e segurança jurídica aos gestores. Ele lembrou o chamado “apagão de canetas” na administração pública: a paralisia na tomada de decisões por causa do excessivo receio dos servidores de que possam ser objeto de responsabilização pessoal por órgãos de controle e do Poder Judiciário.
Bruno Dantas, ministro do TCU que tem se notabilizado pelo engajamento nas discussões sobre infraestrutura, chamou atenção para “possível contingência” nos futuros leilões de aeroportos. Para ele, esse é o segmento que enfrentará os “problemas mais dramáticos” de desequilíbrio econômico-financeiro por causa da pandemia.
Lembrando a modelagem da próxima rodada de concessões, com oferta de 22 aeroportos, em três blocos diferentes, Dantas apontou os riscos de misturar unidades lucrativas e deficitárias (o chamado “filé com osso”) quando grandes ativos podem ser devolvidos à União devido dificuldades.
“Estamos indo agora para nova rodada de concessões com aeroportos menores, no estilo filé com osso, mas esse fato precisa ser administrado. Se houver devolução de aeroportos importantes, como Galeão e Guarulhos, quem vai querer entrar nessa rodada se pode pegar um desses aeroportos superatrativos mais adiante?”, questionou o ministro do TCU.