Título: Coisas da Política
Autor: Tahan, Ana Maria
Fonte: Jornal do Brasil, 13/05/2008, País, p. A2

Para o muito falta o essencial

O presidente Lula só faltou bater bumbo para si mesmo. O ministro Guido Mantega parecia o criador festejando o sucesso antecipado da criatura. O presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, Luciano Coutinho, anunciou, como festeiro de São João, juros mais baixos para indústrias de vários quilates. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, olhava o horizonte como se antevisse o Brasil desenhado pelo Plano de Desenvolvimento Produtivo, ou a popular Política Industrial, anunciado ontem pelo governo, no Rio, com pompa e circunstância.

Tão eufórico quanto os acima citados, estava o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Desfilou os projetos da estatal para aproveitar a maré de crescimento edificada pela obra montada a muitas mãos nos gabinetes de Brasília. Contou que a Petrobras programa começar outra refinaria, além da do Rio e a de Pernambuco. Informou que US$ 26 bilhões serão investidos na área de gás natural. Destacou a expansão da capacidade de produção em biocombustíveis. Lembrou que 26 navios já foram contratados à indústria naval brasileira, 10 deles "bastante grandes", fora a pretendida construção de dois superpetroleiros e mais 146 embarcações de apoio, das quais 24 em fase de encomenda.

Não se pretende, aqui, desmerecer tais esforços. Nem criticar, a priori, o calhamaço de pretensões governamentais para incrementar a capacidade de parte da indústria nacional, ampliar as exportações e os investimentos em pesquisa. Embora seja sempre bom salientar, para conter os aplausos iniciais e pedir mais tempo ao tempo de análise, que nem toda indústria será beneficiada, nem todos os setores atendidos. A administração Lula optou por socorros setoriais e não por remédios que permitissem o impulso de competitividade do conjunto da economia, para citar apenas um dos senões que alguns especialistas já notaram no plano festejado ontem.

Muito ainda se vai falar e discutir sobre cada item da dita política industrial, até porque muitas vão parar no Congresso, embutidas em medidas provisórias (sempre elas). Ninguém acha que terão dificuldade de passar, perfeitas ou imperfeitas, pela Câmara, onde o governo Lula conta com folgada maioria. Espera-se, contudo, que o Senado mergulhe mais fundo, não para brecar o plano, mas para aprofundá-lo, estendê-lo, aperfeiçoá-lo. E, desta vez, espera-se que os senadores, ao contrário do que se viu durante o depoimento da ministra Dilma Rousseff, façam bem a lição de casa. Desde já.

Exceção no episódio citado acima, a senadora democrata Kátia Abreu, do Tocantins, acumula dados que provam a existência de pelo menos uma falha básica da tal política industrial: faltam portos ao Brasil. Ela sabe do que fala. Relatora da Medida Provisória 412, que prorroga até 2011 o Reporto, regime tributário de incentivo à modernização da estrutura portuária, ela capitaneou, em 23 de abril, o encontro de um grupo de 20 empresários com o líder do governo no Senado, Romero Jucá. Comandantes ou executivos de exportadores, empreiteiros e produtores como Cargill, Suzano, Odebrecht, OAS, eles defendem mudanças na Lei dos Portos e o fim das restrições impostas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários à construção e funcionamento de portos privados mistos no país.

Técnicos da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base calculam que a imposição breca investimentos de cerca de R$ 5 bilhões. Além disso, a senadora informa que outros R$ 9,5 bilhões de projetos patrocinados por empresas privadas para ampliação da estrutura portuária brasileira estão no limbo, à espera de licença ambiental. Para se ter uma idéia do volume em suspenso pela exigência da agência e pela lentidão do Ibama, o alardeado Programa de Aceleração do Crescimento prevê a aplicação de apenas R$ 1,6 bilhão no setor em quatro anos. E mais, qualquer aperfeiçoamento depende também do Supremo Tribunal Federal, que analisa duas medidas contrárias à Lei dos Portos ¿ uma ação direta de inconstitucionalidade e uma argüição por descumprimento de preceito fundamental.

A senadora assegura que o Brasil precisa dobrar sua capacidade portuária para atender à demanda interna. Ora, como o governo pode incentivar exportações sem resolver o básico, ou seja, a existência de portos para escoar a produção incentivada pela política industrial? Terá também de mexer seus pauzinhos para desobstruir os investimentos privados no setor e convencer um aliado, o PSB, a desistir das ações no Supremo.