Valor Econômico, 07/05/2020, Brasil, p. A4
Governo não cede a pedido de montadoras
Marli Olmos
Desde o início da pandemia, a indústria automobilística tem tentado, sem sucesso, ajuda do governo para facilitar a obtenção de empréstimos bancários. O interlocutor tem sido, quase sempre, o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele voltou a reunir-se ontem com os principais representantes dos maiores fabricantes de veículos do país. Mais uma vez, os executivos saíram frustrados do encontro realizado por meio de videoconferência, segundo relataram fontes.
As montadoras têm feito contatos com diversos bancos. Mas a principal preocupação refere-se à garantia para a liberação de recursos. Uma das ideias é que o governo interceda nas negociações aceitando oferecer, como garantia dos empréstimos, créditos de tributos federais que as montadoras têm acumulados.
São vários bilhões de reais, segundo fontes do setor, referentes, principalmente, a Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que foram se acumulando nas transações comerciais da cadeia que envolve a indústria automobilística e fornecedores. Um dinheiro, portanto, que o governo deve ao setor. Os créditos desses impostos serviriam, segundo a proposta da indústria, para o governo entrar como fiador desses empréstimos.
A equipe econômica parece irredutível a aceitar tal proposta. Das horas de conversa com os executivos surgiu, até agora, apenas a boa vontade do ministro para agrupar bancos interessados em atender as montadoras.
As empresas do setor automotivo tentam evitar ter de recorrer às matrizes que, igualmente afetadas pela crise provocada pela covid-19, estão menos propensas a ajudar suas subsidiárias.
No início de abril, quando o setor mal começara o período de férias coletivas em suas fábricas, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, fez duras críticas aos bancos, que, segundo ele, impunham “custos absurdos” para conceder empréstimos ao setor.
Na ocasião, Moraes defendeu que o Banco Central criasse um mecanismo para tomar parte do risco nos empréstimos bancários e, dessa forma, ajudar o setor a ter liquidez para honrar os pagamentos dos salários de seus funcionários e fornecedores.
Amanhã, o presidente da Anfavea voltará a estar com a imprensa para divulgar resultados do desempenho do setor em abril. Na comparação com abril de 2019, a venda de veículos no mercado interno caiu 76% no mês passado, segundo dados divulgados na segunda-feira pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos (Fenabrave), que representa as concessionárias.
Com lojas fechadas desde o fim de março, a perda de vendas se reflete também no resultado do quadrimestre. De janeiro a abril, foram vendidos 613,7 mil veículos, volume 26,88% menor que o dos quatro primeiros meses de 2019. No caso dos automóveis, a queda de abril em relação ao mesmo mês do ano passado chegou a 79%, com o total de 39,4 mil unidades.
Os dados de produção e de exportação, que serão revelados pela Anfavea amanhã, tendem a mostrar quedas em proporções ainda maiores, já que praticamente todas as linhas de montagem passaram o mês sem funcionar. Em abril, a produção de veículos foi interrompida, principalmente, para adequar as fábricas a novos padrões de higiene e distanciamento social. Mas as vendas de maio, quando uma parte da produção será retomada, não deve ser muito diferente, segundo executivos do setor.
No mês passado, as montadoras também fecharam acordos de flexibilização dos contratos de trabalho. Parte dos operários entrou em sistemas de redução de jornada e outra parte em afastamento temporário.
Ninguém no setor fala, ainda, em demissões. Mas em momentos de crise essa ameaça sempre entrou nas mesas de negociação com governos. A preservação da força de trabalho na indústria automobilística costumava ser um ponto determinante nas conversas com alguns governos, como o do PT. Mas a ameaça do corte de empregos parece ter perdido força nas negociações em curso.