O Estado de S. Paulo, n. 47950, 28/01/2025. Internacional, p. A10
Lula cobra diplomata interino dos EUA e evita confronto com Trump
Vera Rosa
O Brasil não quer transformar a questão dos deportados em um cabo de guerra com o presidente dos EUA, Donald Trump. Em reunião ontem entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler Mauro Vieira foi decidida a cobrança de explicações dos americanos sobre o que ocorreu no voo que trouxe 88 brasileiros algemados na sexta-feira, mas num tom cauteloso para evitar confronto.
A primeira providência foi chamar o encarregado de Negócios da Embaixada dos EUA em Brasília, Gabriel Escobar, para uma conversa no Itamaraty. A embaixadora Márcia Loureiro, secretária de Assuntos Consulares, lhe disse que o
Histórico
Embora caso das algemas tenha vindo à tona agora, outros brasileiros já foram algemados na era Biden
Brasil considerava “desrespeitoso e inaceitável” o tratamento dado aos deportados. Escobar está à frente da embaixada como interino, enquanto um novo nome não é designado.
Na avaliação do governo brasileiro, a reação tinha de ser firme, mas nada que parecesse um embate político com Trump porque, no diagnóstico do Itamaraty, a polarização é tudo o que o presidente dos EUA quer.
A ordem é também não partir para o enfrentamento com os EUA na reunião de emergência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). O encontro foi convocado pela presidente de Honduras, Xiomara Castro, que lidera o bloco, a pedido do presidente colombiano, Gustavo Petro.
Desde 2021, o Brasil tem reiterado aos EUA que algemas em deportados somente são aceitáveis em “casos de extrema necessidade”, quando há imigrantes condenados por crimes dentro do voo. Na lista dos 88 brasileiros que desembarcaram em Manaus, no entanto, não havia condenados.
AGRESSÕES. Passageiros disseram ter sido agredidos por agentes americanos, impedidos de beber água e ir ao banheiro. Mulheres e crianças passaram mal. A Polícia Federal apura as denúncias. A aeronave teve de pousar em Manaus por problemas técnicos e muitos desceram em solo brasileiro algemados. Por ordem de Lula, um avião da FAB foi acionado para levar os deportados para Belo Horizonte.
Embora o caso das algemas tenha vindo à tona com mais evidência agora, outros brasileiros chegaram ao País nas mesmas condições durante o governo de Joe Biden. Os ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos pretendem montar um plano de acolhimento de deportados, pois têm informações de que esse número vai aumentar nos próximos meses. O assunto será discutido hoje em mais uma reunião de Lula com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Ontem, em almoço com empresários, Lewandowski afirmou que a reação do governo brasileiro ao episódio dos deportados foi sóbria. “Não queremos provocar o governo americano, até porque a deportação está prevista em tratado. Mas, obviamente, ela tem de ser feita com respeito aos direitos fundamentais das pessoas”, disse o ministro.
COLÔMBIA. Ontem, o governo da Colômbia aceitou que seus cidadãos deportados dos EUA cheguem em voos militares. O recuo em sua posição inicial de não recebê-los ocorreu após Donald Trump impor tarifas e suspender vistos de membros do governo colombiano.
Enquanto isso, Trump determinou ontem cotas diárias de prisões efetuadas por agentes federais. Cada escritório do Serviço de Imigração deve deter 75 pessoas por dia, um total que pode chegar a 1,5 mil prisões diárias. Críticos dizem que a medida aumenta os riscos de detenção de americanos e imigrantes legais.
Ainda ontem, o Departamento de Justiça demitiu todos os promotores que trabalharam nas investigações sobre interferência na eleição de 2020, que foram concluídas com acusações criminais contra Trump. Segundo o secretário interino James McHenry, “o governo não poderia confiar nesses funcionários” para implementar a agenda do governo. •