Valor Econômico, 07/05/2020, Política, p. A8

PF-RJ será comandada por Tácio Muzzi

Cristian Klein

Epicentro da crise entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, a superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro será comandada pelo delegado Tácio Muzzi Carvalho e Carneiro. A escolha foi anunciada ontem como uma das primeiras medidas do novo diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza, que assumiu o cargo após a demissão de Maurício Valeixo, braço-direito de Moro.

O ex-ministro, ao se exonerar, acusou Bolsonaro de tentar interferir politicamente na PF e justificou sua saída devido à pressão do presidente para que trocasse Valeixo e o superintendente regional do Rio, Carlos Henrique Oliveira. Retirado do cargo para a chegada de Muzzi, Oliveira foi deslocado para a diretoria executiva da PF, em Brasília, uma das mais importantes do órgão, porém voltada para questões administrativas, sem vínculo direto com investigações.

Se, no cargo mais alto da PF, Bolsonaro não conseguiu emplacar seu preferido, Alexandre Ramagem, mas nomeou Souza, homem de confiança dele; na superintendência do Rio, Tácio Muzzi é considerado alguém independente, sem ligação com o presidente. Se, no cargo mais alto da PF, Bolsonaro não conseguiu emplacar seu preferido, Alexandre Ramagem, mas nomeou Souza, homem de confiança dele; na superintendência do Rio, Tácio Muzzi é considerado alguém independente, sem ligação com o presidente.

A indicação de Muzzi, por sua vez, foi recebida ontem sem alarido. Desde fevereiro do ano passado, ele é delegado regional executivo, equivalente ao número 2 da PF no Rio. Visto como um quadro técnico, é doutor e mestre em direito empresarial pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também se graduou em direito, em 1999. Foi coordenador do grupo de trabalho da Operação Lava-Jato que culminou com as prisões do ex-governador Sérgio Cabral e do empresário Eike Batista. Sua nomeação teria atendido a pressões da corporação para que a situação na PF seja apaziguada.

Muzzi entrou para a Polícia Federal em 2003 e já ocupou interinamente o cargo de superintendente do Rio, por cinco meses, após a saída, em agosto no ano passado, de Ricardo Saadi, alvo das primeiras investidas de Bolsonaro sobre o órgão regional.

Questionado por que tem tanto interesse na superintendência, Bolsonaro disse anteontem que “o Rio é o meu Estado” e que “foi acusado de tentar matar a Marielle” [Franco], vereadora do Psol assassinada em março de 2018, ao lado do motorista Anderson Gomes. O presidente afirmou que “querem colocar na conta” dele e dos filhos Carlos, vereador, e do senador Flávio Bolsonaro, ambos filiados ao Republicanos, o crime cujo mandante ainda não foi descoberto.

Para o deputado federal e ex-delegado da PF Felício Laterça (PSL-RJ), Muzzi é “bom profissional, dedicado e alinhado com as diretrizes” da instituição. Em sua opinião, com a indicação do número 2 da superintendência regional, parece não ter havido “uma guinada” na direção do órgão no Rio, “o que enfraquece o discurso do ex-ministro Moro”.

O parlamentar afirma que seria normal se um presidente da República recebesse relatórios de inteligência (Relint) da PF, para balizar decisões, por exemplo, em casos de motins em presídios ou de convulsão social, embora não relatórios de investigação sigilosos, como as acusações de Moro sugeriram.

Para Laterça, Muzzi pode marcar sua gestão pelo combate à corrupção, “ainda mais com esse derrame de dinheiro” de governos estaduais e municipais em contratos para compra de equipamentos de combate à pandemia do novo coronavírus. Nesse caso, reconhece, o novo superintendente poderia atender Bolsonaro ao incomodar um adversário como o governador do Rio, Wilson Witzel, que já afastou o subsecretário executivo da secretaria de Saúde, Gabriel Carvalho dos Santos, por suspeita de irregularidades.

Em junho de 2018, Muzzi foi nomeado diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e, em janeiro de 2017, diretor-adjunto do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), ambos órgãos ligados ao Ministério da Justiça, em Brasília. Entre 2000 e 2003, atuou como procurador na Procuradoria-Geral do Banco Central na área de consultoria de direito bancário e de dívida pública. Na superintendência da PF no Rio, foi chefe da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros e comandou diversas operações especiais, como a Gladiador, que prendeu o então deputado estadual e ex-chefe da Polícia Civil do Rio Álvaro Lins, em 2008.

No depoimento de Moro, no sábado, na PF de Curitiba, o ex-ministro relatou que a superintendência do Rio era o principal alvo da tentativa de interferência de Bolsonaro. Moro disse que isso foi explicitado numa das mensagens que recebeu do presidente. “A mensagem tinha, mais ou menos, o seguinte teor: ‘Moro você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’”, contou o ex-ministro, segundo o relatório do depoimento.