O Estado de S. Paulo, n. 47954, 01/02/2025. Política, p. A9
PEC que barra militar nas eleições está parada
Vera Rosa
Guilherme Caetano
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, quer deixar como legado, antes de sair do governo, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impede a candidatura de militares da ativa a cargos políticos. O avanço da proposta, porém, enfrenta resistências no próprio governo.
Múcio pediu apoio político ao texto, que ficou conhecido como PEC dos militares na política, durante a primeira reunião ministerial do ano, no dia 20. Argumentou que países como Estados Unidos, Chile, Portugal, França e Inglaterra já adotam o modelo e disse que esta é a época ideal para a iniciativa ser aprovada, uma vez que 2026 é ano eleitoral.
Na avaliação do ministro, a trava estabelecida na PEC para que militares disputem cargos eletivos – a não ser que passem para a reserva – também serve como antídoto para evitar novos atos golpistas. “É uma ação de purificação”, definiu.
A Casa Civil, no entanto, tem resistências à proposta, que está parada no Senado desde o ano passado. Um dos “senões” é o temor de policiais militares de que a PEC provoque efeito dominó, estendendo a proibição das candidaturas de integrantes das Forças Armadas à categoria. A oposição dos PMs contribuiu para barrar o projeto num momento em que o governo tem outra batalha pela frente: a PEC da Segurança Pública, que atinge as polícias nos Estados e conta com divergência de governadores.
O Palácio do Planalto também teme que essa discussão seja “contaminada” pelo julgamento que ocorrerá no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda neste ano, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros indiciados pela Polícia Federal no inquérito que apurou suspeita de tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Na lista está o general Braga Netto, o primeiro quatro estrelas preso na era democrática do Brasil.
Em dezembro, mês da prisão de Braga Netto, Múcio pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para deixar o governo, por motivos pessoais. Alegou que, aos 76 anos, a família cobra a diminuição do seu ritmo de trabalho.
Ex-ministro da Defesa, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse que Lula convenceu Múcio a ficar no cargo até o fim deste ano. O receio do chefe do Executivo é de que a saída do auxiliar, com bom trânsito no Exército, na Marinha e na Aeronáutica, provoque turbulência nas Forças Armadas.
Além disso, Lula enfrenta dificuldades para encontrar um nome para substituir o titular da Defesa. Chegaram ao Planalto informações de que militares não querem nenhum político no comando da pasta, nem mesmo o vice Geraldo Alckmin.
Apesar da afirmação de Wagner sobre a permanência de Múcio, ele próprio não fala sobre o assunto. “Meu futuro depende do meu chefe”, repete o ministro para todos que lhe perguntam sobre seu destino.
CERCEAMENTO. No ano passado, representantes de PMs procuraram líderes do governo para pedir que a PEC dos militares não fosse adiante. Tiveram sucesso na empreitada. O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) também foi um dos mais enfáticos críticos da PEC.
“Essa proposta busca cercear o direito do militar da ativa de concorrer a um cargo eletivo ao obrigar aquele que possui menos de 35 anos de serviço a passar para a reserva não remunerada. Na prática, coloca o militar como cidadão de segunda categoria”, reclamou o general.
O protesto de Mourão era esperado, mas a falta de empenho do Planalto para a tramitação da PEC aborreceu Múcio. A proposta foi concebida após muitas negociações, com aval dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para ser uma resposta concreta à politização das tropas.
Para o cientista político Paulo Cunha, a PEC é positiva ao disciplinar candidaturas de militares, mas peca ao “afastá-los da política”. No seu diagnóstico, o foco deveria estar em coibir a partidarização das Forças Armadas. “Os militares nunca foram sozinhos para a política”, observou Cunha, que é professor da Unesp e autor do livro Militares e militantes. “O que temos de mudar é a relação de diálogo entre os militares e a sociedade, para que os civis passem a entender qual é o papel das Forças Armadas.” •
De saída Jaques Wagner disse que Lula convenceu Múcio a ficar no cargo até o fim deste ano