Valor Econômico, 08/05/2020, Brasil, p. A3
Bolsonaro descarta alta da Cide da gasolina
Fabio Murakawa
Rafael Walendorff
Cristiano Zaia
Lu Aiko Otta
O presidente Jair Bolsonaro não pretende atender ao pleito da indústria sucroalcooleira e aumentar impostos para salvar o setor, em dificuldade por conta da queda abrupta do preço da gasolina na bomba. O fenômeno reflete o que ocorre com o petróleo no mercado internacional, afetado pelo desaquecimento econômico por conta da pandemia de covid-19.
A alta da Cide opõe o ministro da Economia, Paulo Guedes, aos colegas Bento Albuquerque, de Minas e Energia, e Tereza Cristina, da Agricultura, porta-vozes dos interesses do setor no governo. Até a semana passada, empresários do ramo davam como certa alta de R$ 0,10 para R$ 0,30 por litro do combustível, o que não ocorreu.
O dissenso levou o problema à mesa de Bolsonaro. Nos últimos dias, ministros palacianos já diziam que dificilmente o presidente concordaria em atender a esse pleito, o que colocaria novamente o Palácio do Planalto em conflito com Guedes. Ontem, Bolsonaro confirmou essa tendência.
“Minha política durante a campanha foi de não aumentar impostos, foi [a política] do Paulo Guedes o tempo todo”, disse Bolsonaro a jornalistas no Palácio da Alvorada. “Não acho justo agora aumentar a Cide para salvar o setor sucroalcooleiro. No momento em que estamos perdendo emprego, pessoal com salários reduzidos por acordos, o governo federal para salvar o ‘teu lado’ aumenta o imposto. Isso não é dilema, é situação que coloquei na mesa, acho que não serei derrotado no meus argumentos e assim deve ser posto.”
Bolsonaro voltou a citar uma ideia que desagrada aos governadores: a redução do ICMS sobre combustíveis. “Alguns do governo querem, alguns do Nordeste. O mais interessado é São Paulo, mais de cem cidades vivem exclusivamente da cana-de-açúcar. Para tornar o álcool competitivo tem dois caminhos: diminuir ICMS ou aumentar imposto da gasolina.”
Guedes e sua equipe são contra medidas que atendam a um setor específico. As ações anunciadas pelo governo para o combate à covid-19 atendem às empresas como um todo. O ministro também tem sido refratário à ideia de elevar impostos em meio à crise.
Tereza Cristina disse ao Valor que pretende conversar a partir de hoje com o presidente, Guedes e Bento em busca de outras medidas de socorro ao setor. “O presidente foi coerente com seu pensamento. Sempre foi contra aumento de imposto sobre combustível. Agora é um momento em que precisamos ver se há outra alternativa, se tem algo a fazer para ajudar o setor, que está com problemas. Nossa preocupação é com os empregos.”
Anteontem, Tereza e Bento haviam falado com Bolsonaro na tentativa de convencê-lo a aumentar a Cide sobre a gasolina. Com a fala ontem de Bolsonaro, porém, o cardápio de medidas tributárias está praticamente descartado, diz uma alta fonte do governo.
Ontem, ao chegar ao Palácio da Alvorada após o expediente, Bolsonaro disse que vai questionar a Petrobrás sobre o aumento de 12% no preço da gasolina nas refinarias, que classificou de “manobra”.
Ele afirmou que não constatou elevação no petróleo a nível mundial, o que não justificaria a atualização no Brasil.
“A Petrobras subiu 12% a partir de hoje. Eu não vi o preço do petróleo aumentar lá fora para subir 12 % aqui dentro. Quero saber que manobra foi essa. Não é interferir, é um direito que tenho de saber. Não sei porque a Petrobras aumentou, ela segue a política internacional do preço do petróleo.”