O Estado de S. Paulo, n. 47955, 02/02/2025. Política, p. A6
Nova cúpula do Congresso vai pressionar Lula por ministérios e emendas
Vera Rosa
Guilherme Caetano
Vinícius Valfré
Gabriel Hirabahasi
Amanda Pupo
Caio Spechoto
Victor Ohana
Geovani Bucci
Levy Teles
Hugo Henud
A eleição por ampla margem de votos de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para a presidência do Senado, e de Hugo Motta (Republicanos-PB) para o comando da Câmara dos Deputados, vai aumentar a pressão sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acelerar uma reforma ministerial e por uma solução para o bloqueio de repasse de verbas para as emendas parlamentares determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Tanto Alcolumbre quanto Motta ambicionam cargos na máquina federal para aliados, num momento em que o governo está enfraquecido politicamente. A maior pressão do Congresso é para destravar as emendas, bloqueadas por ordem do ministro Flávio Dino, do STF, em meio a investigações sobre desvios de verbas. Os discursos de Alcolumbre e de Motta, antes da votação e depois de eleitos, foram permeados de recados ao Judiciário sobre as prerrogativas do Congresso.
A nova cúpula do Congresso vai pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a acelerar a reforma ministerial e a resolver o bloqueio das emendas parlamentares para votar projetos essenciais, como o do Orçamento de 2025, antes do carnaval. Diante de um presidente que inicia a segunda metade de seu mandato com queda de popularidade, partidos da base de sustentação do governo aproveitam a crise para cobrar mais caro pelo apoio e também querem espaço no Palácio do Planalto.
Com apoio do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Hugo Motta (Republicanos PB) foram eleitos, ontem, para o comando do Senado e da Câmara, respectivamente. O resultado da disputa confirmou o favoritismo de ambos, que estarão à frente das Casas pelos próximos dois anos.
Com 73 votos, Alcolumbre retorna ao cargo que ocupou entre 2019 e 2021. Os adversários Eduardo Girão (Novo-CE) e Marcos Pontes (PL-SP) tiveram quatro votos cada. No primeiro discurso após a vitória, Alcolumbre afirmou que o Congresso deve ser “porta-voz” dos brasileiros, o que, segundo ele, exigirá posicionamento corajoso perante governo, Judiciário, mídia e mercado. “Nem sempre agradaremos a todos”, disse o senador, que vai suceder a Rodrigo Pacheco (PSDMG). E prosseguiu: “Este Senado Federal não vai se omitir nem vacilar para tomar as decisões que melhorem a vida das pessoas. O futuro exige um compromisso inafastável com a democracia. Vamos resistir aos atalhos populistas”.
Lula falou com Alcolumbre e Motta por telefone após o resultado. O petista combinou reuniões com os dois, entre amanhã e terça-feira. Bolsonaro também conversou com o novo chefe do Senado.
Na Câmara, Motta se tornou o primeiro presidente da história da Casa nascido depois da Constituição de 1988 – terá mandato até 2027 e poderá disputar a reeleição. Ele sucede a Arthur Lira (PP-AL), que deixa a função depois de quatro anos. Com apoio de 18 partidos, Motta recebeu 444 votos. Ele derrotou os deputados Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Henrique Vieira (PSOL-RJ), que obtiveram 31 e 22 votos, respectivamente.
PODERES. Antes e depois da votação no Congresso, Alcolumbre e Motta mandaram recados ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em discurso na tribuna do Senado, pouco antes de ser eleito, Alcolumbre deu uma estocada indireta no ministro do Supremo Flávio Dino, que bloqueou o repasse de emendas sob a justificativa de falta de transparência. “É essencial respeitar as decisões judiciais e o papel do Judiciário em nosso sistema democrático. Mas é igualmente indispensável respeitar as prerrogativas do Legislativo e garantir que este Parlamento possa exercer seu dever constitucional de legislar e representar o povo”, disse o senador. “Sem confiança uns nos outros e sem a obediência ao que foi acordado, este Parlamento se transforma em um campo de guerra e as boas ideias se perdem numa eterna e infrutífera disputa entre antagonistas.”
Motta, por sua vez, defendeu uma Câmara “forte”. “A garantia das prerrogativas parlamentares é essencial para o fortalecimento do povo, pois cada um de nós está diretamente relacionado aos anseios daqueles que nos deram o voto”, afirmou o deputado no último discurso antes da votação.
Eleito, o deputado pregou transparência para “todos” e sugeriu uma plataforma integrada entre Legislativo, Executivo e Judiciário para os cidadãos acompanharem as despesas dos Poderes. “O que não pode haver é transparência relativa, porque o princípio é da igualdade entre os Poderes. A praça é dos três, e não de um nem de dois Poderes”, discursou.
A maior pressão do Congresso, hoje, é para destravar o repasse das emendas. Motta e Alcolumbre querem se encontrar com Dino nos próximos dias. Há no STF pelo menos 15 investigações da Polícia Federal que tratam de desvio de recursos de emendas. Para este ano, a previsão é de que deputados e senadores tenham direito a R$ 50,5 bilhões para abastecer seus redutos eleitorais.
PRESSÃO. Lula sabe que não terá vida fácil pela frente, nem na Câmara nem no Senado. Com dificuldades em exibir uma agenda positiva, ele tem contabilizado uma sucessão de más notícias – do alto preço dos alimentos à crise do Pix, passando pelo aumento dos juros – e pesquisas indicam que a aprovação do governo despencou.
Foi o que bastou para que o Centrão começasse a duvidar da expectativa de poder para a disputa presidencial de 2026. Agora, Lula aposta em uma nova estratégia de comunicação, sob a batuta do ministro Sidônio Palmeira, em mais contato com o povo e com o Congresso, e até em uma aliança com o STF para manter a governabilidade.
Alcolumbre é visto na Casa de Salão Azul como uma espécie de “operador” para a liberação de emendas. Ele já conversou com Lula sobre o que vê como problema criado pelo STF e sobre o espaço de seu partido na Esplanada. Atualmente, o União Brasil controla três ministérios – Comunicações, Turismo e Integração.
O novo presidente do Senado está, porém, em acirrada disputa com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), pelo controle de diretorias de agências reguladoras, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Tanto Alcolumbre quanto Pacheco e o senador Eduardo Braga (MDB) querem tirar Silveira de Minas e Energia. O caso foi levado a Lula, que gosta do ministro por considerar que ele defende o governo e avalia como resolver o imbróglio.
Pacheco negocia a migração do PSD para o MDB. O ex-presidente do Senado está nos planos de Lula para ser candidato ao governo de Minas Gerais, em 2026. A disputa é considerada difícil em um Estado no qual o bolsonarismo cresce e, por isso, Pacheco resiste. Sem querer amarrar sua possível entrada na equipe de Lula a uma candidatura, o senador gostaria de comandar o Ministério da Justiça. Como o titular da pasta, Ricardo Lewandowski, não sairá do cargo, ao menos por enquanto, Pacheco deverá ser acomodado em outra pasta. Uma possibilidade é a do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. ARTICULAÇÃO. Fortalecido com a eleição de Motta, o grupo do novo presidente da Câmara, na outra ponta, quer emplacar o deputado Isnaldo Bulhões (AL), líder do MDB, na cadeira do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Lula enfrenta problemas de articulação com o Congresso e tem sido cobrado a assumir as negociações para evitar o agravamento da crise. Prometeu fazer isso a partir desta semana, chamando ministros, líderes e presidentes de partidos para redefinir o espaço de cada força política na Esplanada.
“O governo precisa fazer gestos aos partidos. É como mandar flores”, comparou o ministro dos Transportes, Renan Filho, da ala do MDB que defende o apoio à reeleição de Lula. O MDB está hoje à frente de três ministérios (Transportes, Cidades e Planejamento).
Além de resolver a equação com o MDB, Lula tem sido aconselhado a levar Lira para o governo. Expoente do Centrão e padrinho de Motta, o ex-presidente da Câmara é visto como um dos poucos que podem aglutinar o grupo não apenas em votações, mas também para a disputa de 2026. O nome de Lira é citado para o Ministério da Agricultura, hoje como Carlos Fávoro (PSD).
“O que não pode haver é transparência relativa, porque o princípio é da igualdade entre os Poderes. A praça é dos três, e não de um nem de dois Poderes”
Hugo Motta (Republicanos-PB) Novo presidente da Câmara dos Deputados “É essencial respeitar as decisões judiciais em nosso sistema democrático.
Mas é igualmente indispensável respeitar as prerrogativas do Legislativo e garantir que este Parlamento possa exercer seu dever constitucional de legislar e representar”
Davi Alcolumbre (União Brasil-AP)
Novo presidente do Senado