O Globo, n 32.308, 20/01/2022. Economia, p. 13
Bolsonaro terá mais R$ 1,8 bi para gastar este ano
Fernanda Trisotto e Gabriel Shinohara
Diferença entre a previsão de inflação para corrigir as despesas e o índice efetivo abriu o espaço nas contas públicas. Instituição Fiscal Independente (lFl) alerta para o risco das mudanças nas regras do teto de gastos
A previsão da inflação adotada pelo Congresso Nacional na elaboração do Orçamento deu ao presidente Jair Bolsonaro espaço para aumentar o gasto público em R$ 1,8 bilhão este ano.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, alerta para essa situação no seu primeiro relatório. A estimativa de inflação considerada no Orçamento foi de 10,18%. Foi esse valor que corrigiu as despesas totais da União. Já o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 10,06%. Essa diferença de 0,12 ponto percentual gerou o extra de R$ 1,8 bilhão.
“As recentes mudanças no teto de gastos também permitem que esse excesso seja compensado apenas na apuração dos limites de 2023. Na prática, abre-se a possibilidade de os orçamentos operarem sempre acima do limite constitucional, postergando-se eventuais ajustes para o período seguinte”, alerta a IFI.
MAIS R$ 69 BI COM NOVO TETO
O Ministério da Economia, procurado, disse que “não se vislumbra” alteração no espaço fiscal em 2022. A correção será feita só em 2023, afirmou.
Juliana Inhasz, professora do Insper, ressaltou que erros de projeções acontecem, mas a diferença neste caso traz a possibilidade de gasto adicional:
— A diferença não é tão pequena e traz, de fato, uma possibilidade de um gasto excepcional, acima do que a correção do teto pela inflação oficial faria, o que dá espaço para que o governo gaste mais.
Para os próximos anos, Juliana disse que apesar de a margem dessa diferença entre o IPCA registrado e a projeção ser “relativamente pequena”, a recorrência desses desencontros pode ser negativa:
— Se pequenos desvios forem sempre tolerados, todo ano ele consegue fazer um gasto um pouquinho maior, o que economicamente é ruim.
Cristiane Quartarolli, do Banco Ourinvest, diz que a questão principal ase analisar é o gasto adicional:
— A preocupação mesmo é com o que poderia vir de gasto adicional este ano que poderia ultrapassar o teto dos gastos.
Na apreciação do Orçamento, o espaço fiscal foi estimado em R$ 113,1 bilhões, considerando inflação de 10,18%. Com o valor oficial do IPCA, de 10,06%, o aumento do gasto fica em R$ 112,6 bilhões.
A IFI aponta que dos R$ 113,1 bilhões, R$ 69,6 bilhões vieram pelo recálculo do teto de gastos (era considerado o índice de correção até junho e passou a ser até dezembro), e R$ 43,5 bilhões surgiram do adiamento da quitação de dívidas judiciais, os precatórios. Assim, foi possível financiar o Auxílio Brasil, com transferência mínima de R$ 400, vitrine eleitoral para Bolsonaro.
Nos demais poderes, os gastos projetados no Orçamento estão abaixo do limite determinado. “Nos demais Poderes e órgãos autônomos, por outro lado, o Orçamento contém uma folga de R $3,1 bilhões em relação aos novos limites, levando à sobra líquida de R$ 1,3 bilhão”, diz o documento.