Título: O dilema do Brasil grande
Autor: Almeida, Rodrigo de
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2008, País, p. A2

O pedido de demissão de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente e todo o debate travado sobre o assunto nas últimas 24 horas demonstram como o Brasil anda mal das pernas em matéria de modelo de gestão, de fato, moderno: a conciliação entre agenda de desenvolvimento e proteção ao meio ambiente. Neste terreno, como em muitos outros, o país padece de um mal crônico ¿ ou é pau ou é pedra, ou o fim do caminho. Parece um mundo binário em que ou se é uma coisa ou outra, ou temos desenvolvimento ou protegemos nossa biodiversidade. No fim das contas, nem se tem desenvolvimento pleno, nem sustentabilidade ambiental. O pior dos mundos.

Hoje são evidentes as razões que levaram Marina a demitir-se. Mesmo para um observador de fora não faltaram motivos. A saída até demorou demais desde a época em que ela afirmou estar perdendo o pescoço, mas não o juízo. Referia-se aos sucessivos "desaforos" ¿ definição sobre a perda de espaço no governo, que se traduziu em derrotas na aprovação da Lei de Biossegurança, nas grandes obras de infra-estrutura para a Amazônia, no licenciamento das usinas hidrelétricas do Rio Madeira e por aí vai.

De tudo o que se disse, contra ou a favor, resta a sensação, produzida por boa parte dos integrantes do governo e do Congresso, dos empresários e dos ambientalistas (respeitáveis e eco-chatos), de que ou vai ou racha ¿ ou o Brasil faz obras ou pára à espera de uma licença ambiental; ou respeita o meio ambiente ou não consegue impor-se rumo ao desenvolvimento econômico e social; ou isto ou aquilo.

Tome-se a frase da secretária-geral da WWF-Brasil, Denise Hamú: "A área ambiental nunca foi prioridade neste governo". Ou, do outro lado, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), vice-presidente da Confederação Nacional de Agricultura: "Marina tem um componente ideológico fortíssimo que atrapalha o Brasil a crescer". Noves fora a dissonância, ambas revelam um consenso: a gestão ambiental do atual governo desagrada a todos. E desagrada porque não soube resolver ainda o dilema entre desenvolvimento e sustentabilidade ambiental.

O cientista político Sérgio Abranches, diretor do site O Eco, define o momento como o "sacramento" da "vitória do desenvolvimentismo". Para ele, "o presidente Lula deixou os pruridos de lado e resolveu encerrar a fase de controle ambientalista do Ministério do Meio Ambiente. A escolha está feita: o presidente quer um ministério pragmático, que apóie o desenvolvimentismo e lhe dê uma tintura de sustentabilidade". A despeito do aspecto da "tintura de sustentabilidade", não é mau um ministério pragmático. Este é justamente o desafio do novo ministro, Carlos Minc ¿ desde que pragmatismo não signifique o expurgo das leis ambientais em nome de políticas de desenvolvimento. Não terá vida fácil.

Aqui vale a definição acertada do diretor da organização Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, Roberto Smeraldi, para quem, "na verdade, agora ficará mais transparente o que é realmente a política do governo Lula na área ambiental". Tem razão. Mas diz muito o fato de a política industrial anunciada esta semana nada conter de incentivo ¿ ou fazer qualquer exigência ¿ para que as empresas contempladas respeitem regras mínimas de sustentabilidade. Parece ser um assunto alheio ao governo. Não à toa, dia sim, dia não, toma medidas que contrariam a possibilidade de uma política de mitigação das emissões de carbono e da mudança climática.

O Brasil, porém, não está só no dilema entre desenvolvimento e meio ambiente. A historiadora americana Judith Shapiro, de Nova York, descreveu, no livro Mao¿s War against nature: politics and the environment in revolutionary China, a "guerra do maoísmo contra a natureza": a arrancada que, meio século atrás, pôs os chineses nos trilhos de uma revolução, convocou aldeias inteiras para transformar florestas em lenha para fornalhas e, na febre de produção siderúrgica, cortou à metade as florestas da China. O resto a História já sabe ¿ a China é hoje o que é, mas com cidades industriais capazes de deixar o sol fora da vista e com ares que, na Europa, seriam tachados de gases tóxicos. Os chineses literalmente sufocam na poeira do desenvolvimento. Agora buscam, em parte, rever os próprios erros.

Ao Brasil, consolo e esperança: andar atrás pode ter suas vantagens.