Título: Grau de investimento, superávit e fundo
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2008, Opinião, p. A9

Receber o grau de investimento não livrou o Brasil de suas velhas mazelas. Voltamos, agora, à proposta de um aumento do superávit fiscal para até 5% (hoje, ele é de 3,8%, no começo do governo Lula foi de 4,25%), o que resultará em uma economia de R$ 36,5 bilhões. Desta vez, no entanto, há uma diferença de fundo se os propósitos forem mantidos no curso correto: os recursos não seriam direcionados para o pagamento do serviço da dívida interna, para engordar os rentistas. Seu objetivo seria criar um caixa de governo associado a duas iniciativas que, se concretizadas, serão históricas: instituição de um Fundo Soberano e criação de uma agência do BNDES, no Uruguai.

Quem transmitiu a novidade para a sociedade foi o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, na condição de membro do conselho de economistas da Presidência da República. Meu medo é que a razão seja mais um aperto fiscal, com seus reflexos negativos sobre o crescimento e que, das três funções do fundo (intervir no câmbio, financiar a exportação de capitais, tecnologia e serviços, e conter os gastos públicos), acabe prevalecendo, em vez das boas intenções do conselho de economistas, o aperto fiscal contracionista de sempre do BC, impondo seu discurso de contenção dos gastos públicos.

Fora isso, não há uma explicação do porquê constituir o fundo com mais superávit e não com os quase US$ 200 bilhões de reservas. E nunca é demais lembrar que o país continua na rota do crescimento, apesar do BC e sua taxa Selic, e de toda propaganda contra.

A decisão de se elevar o superávit primário é apresentada como necessária para evitar novo aumento de juros pelo BC, para que a taxa Selic não bata nos 13,75% até o final de 2008. A promessa é que esse aumento do superávit não atingirá os programas do PAC, só gastos fora dele. Mas como nenhuma autoridade do governo veio a público explicar a proposta, fica a dúvida se os investimentos dos PAC da Educação e da Segurança serão ou não atingidos. Também não está definido como se resolverá o imbróglio da emenda 29 da saúde e das perdas de receita com a extinção da CPMF.

Por maior que seja o excesso de arrecadação neste ano, como já vem sendo sinalizado, a conta dificilmente fechará, e o arrocho na Esplanada dos Ministérios será grande. Haverá choro e ranger de dentes e os problemas, como sempre, surgirão alguns meses depois do corte de gastos indiscriminado e linear.

Reconheço que, em função de minha cautela frente ao cenário traçado, soa-me estranho que, paralelamente ao anunciado aperto fiscal, fale-se em manter o crescimento de 4,7% do PIB. Sem mencionar a nova política industrial, lançada esta semana, com desonerações e isenções na casa dos R$ 20 bilhões. Alguém vai sair perdendo, ou os planos e programas ficarão no papel.

Para criar o Fundo Soberano, uma alternativa, comenta-se, seria tributar o aumento da produção de petróleo. Essa hipótese, no entanto, vem sendo descartada pelo ministro Guido Mantega. Ele tem dito que o fundo seria financiado pelo excesso de arrecadação, e não pelas reservas do país e muito menos tributação específica sobre o aumento da produção do petróleo.

Como afirmou Belluzzo, com sua proposta, ele busca combinar dois instrumentos ¿ a política monetária e a fiscal ¿ evitando um aumento agressivo dos juros e uma parada na economia. O superávit de 5%, diz ele, resolveria esse dilema e daria uma fonte não inflacionária para o Fundo Soberano.

Vamos aguardar e torcer para que dê certo. Mas minha experiência no governo não me deixa ilusões. Em 2004, essa mesma proposta de aumentar o superávit para evitar um aumento dos juros e destinar recursos para os programas de investimentos prioritários, que o FMI concordara em retirar do cálculo do superávit de 4,25%, acabou mal. Aumentaram-se os juros e o superávit, e o programa ficou no papel. Pior que a inflação e o câmbio, é o temor de crescer e correr riscos. Isso nos tira a esperança e nos devolve o medo, transforma-nos em contadores e não governantes.