Valor
Econômico, 08/05/2020, Política,
p. A6
Presidente
faz pressão sobre o STF
Fabio
Murakawa
Luisa Martins
Lu Aiko Otta
O
presidente Jair Bolsonaro atravessou ontem a Praça dos Três Poderes
a pé com uma comitiva de ministros e empresários para pressionar o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli,
pela redução das medidas de isolamento social que estão travando a
atividade da indústria e a economia como um todo.
A “visita de cortesia”, como Bolsonaro e alguns ministros classificaram, gerou irritação e desconforto entre membros do Supremo.
A visita ocorreu após decisões do Supremo que reafirmaram que o controle de Estados e municípios sobre medidas restritivas, em detrimento do governo federal.
Bolsonaro, que havia se reunido com os empresários em seu gabinete momentos antes, levou para o Supremo os ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), André Mendonça (Justiça) e Fernando Azevedo (Defesa).
Ministros do tribunal ouvidos pelo Valor consideraram que Bolsonaro, ao criticar perante Toffoli os governadores que resistem à abertura total do comércio, tentou jogar no colo do Judiciário uma parcela da responsabilidade sobre a recessão econômica. Isso porque o próprio plenário do STF fixou a legitimidade dos Estados para agir no combate ao coronavírus.
Além disso, ficou entre eles a impressão de que o presidente expôs Toffoli duplamente. Primeiro porque, mesmo nas dependências de outro Poder, transmitiu a reunião ao vivo em suas redes sociais. Na publicação, escreveu que levaria ao Supremo os “anseios da população” - saúde e emprego.
Em segundo lugar, ao decidir levar consigo uma comitiva formada por mais de uma dezena de pessoas, e sabendo que Toffoli não iria recusar-se a recebê-los, Bolsonaro não levou em conta as recomendações das autoridades sanitárias para evitar aglomerações e conter a propagação do vírus.
O presidente anunciou, na presença de Toffoli, que incluiria a construção civil no rol de atividades essenciais, o que na prática retira de Estados e municípios a prerrogativa de restringir essas atividades. A medida foi publicada ontem no Diário Oficial da União (DOU).
Ao deixar o Supremo, prometeu ainda que “nas próximas horas ou dias” decretaria outras atividades como essenciais, a fim de acelerar a retomada econômica.
No encontro, o presidente discursou afirmando que o efeito colateral do combate à pandemia de covid-19 “não pode ser mais danoso do que a própria doença” causada pelo coronavírus.
“Temos um problema que vem cada vez mais nos preocupando: os empresários trouxeram essas aflições, a questão do desemprego, a questão da economia não mais funcionar”, disse Bolsonaro. “O efeito colateral do combate ao vírus não pode ser mais danoso que a própria doença”, afirmou.
Bolsonaro disse também que os empresários levados por ele estão preocupados com o colapso da economia. E instou Toffoli a “decidir”, mesmo que sujeito a críticas.
“Chegou a um ponto que a economia fica muito difícil de recuperar. Nós, chefe de Poderes, temos que decidir”, afirmou. “O Toffoli sabe que, ao tomar decisão, de um lado ou de outro, vai sofrer critica.”
Guedes complementou dizendo que, embora a economia venha mantendo “sinais vitais”, o país corre o risco de, caso não haja uma retomada em breve, “virar uma Venezuela” ou “uma Argentina, que entrou em desorganização, inflação subindo, todo esse pesadelo de volta”.
Toffoli, por sua vez, defendeu as decisões tomadas pelo Supremo, afirmando que a Constituição define as prerrogativas de União, Estados e municípios.
“Temos uma Constituição que garante competência especificas para entes, e foi isso que STF decidiu, mas sempre respeitando competência da União, nacionais, de orientação nas atividades essenciais, de transporte, produção”, disse o presidente do STF.
Ele sugeriu a criação de um comitê de crise com a participação dos Três Poderes, empresários e trabalhadores com o intuito de buscar saídas para a retomada da economia diante da pandemia de coronavírus que avança pelo país.