O Globo, n 32.308, 20/01/2022. Economia, p. 12
Governo quer lançar uma plataforma ''Open Health” para reduzir custos
Luciana Casemiro
Compartilhamento seria similar ao de dados entre os bancos. Especialistas lembram que não há prontuário unificado no país
O Ministério da Saúde planeja a criação de um modelo de compartilhamento de dados entre planos de saúde para ampliar a concorrência no setor de saúde suplementar, conforme informou o colunista do GLOBO Lauro Jardim no último fim de semana. A ideia é que o “Open Health” funcione nos moldes do que acontece com os bancos no Open Banking, que permite ao consumidor compartilhar dados com quais bancos desejar, possibilitando a oferta de produtos personalizados.
Em entrevista ao Valor Econômico, o ministro da saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o projeto já recebeu aval do presidente Jair Bolsonaro. O governo estuda fazer uma medida provisória sobre o tema, disse o ministro. Uma das consequências citadas por Queiroga seria reduzir o tempo necessário para a portabilidade entre planos.
A plataforma reuniria registros de pacientes e indicadores de saúde, que seriam compartilhados entre as empresas. Assim, diz o ministro, operadoras poderiam oferecer planos adequados ao perfil de cada cliente, com preços menores para aqueles que usam menos o sistema de saúde. Além disso, com o esperado aumento da oferta de planos, haveria menos pressão sobre o sistema público de saúde. Procurado pelo GLOBO, o ministério, porém, não esclareceu até o fechamento desta edição como os dados seriam compilados, uma vez que não existe um prontuário unificado de saúde no país.
ALCANCE DA MEDIDA
No caso do sistema financeiro, os dados de crédito estão reunidos em plataformas privadas, e o Open Banking demanda adesão do usuário.
Representantes do setor de saúde receberam a proposta com surpresa e ponderam que a medida pode, de fato, aumentar a concorrência no setor, porém há risco de segregação de beneficiários que dependem mais do plano, com a adoção de preços maiores, e reforçam que não há prontuário unificado no país.
Para José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), parte dos usuários pode ter resistência a compartilhar seu prontuário médico, principalmente se há algum problema de saúde, mas bons hábitos também podem servir como indicador, como prática de esportes e alimentação. Do ponto de vista do negócio, ele vê ganhos:
— Com conhecimento dos dados da carteira de usuários do outro, as operadoras poderiam “pescar no aquário”, oferecer o que fazem melhor por um custo menor. Mas é preciso fazer uma análise criteriosa para entender as consequências.
Para Mário Scheffer, especialista em saúde e professor da faculdade de Medicina da USP, a proposta do governo pode prejudicar quem já tem algum tipo de doença ou comorbidade:
—A circulação livre de dados dos pacientes entre as operadoras serve para que façam seleção de risco, escolham pessoas que não têm doença e para justificar a venda de planos “customizados” de menor cobertura.
Há dúvidas ainda sobre o alcance da medida. Renato Casarotti, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), lembra que na saúde os dados são muito descentralizados, pois não há sistema de prontuário único. Além disso, os planos de saúde individuais representam apenas 20% do mercado.
— Não sei se o compartilhamento desses dados seria suficiente para aumentar a oferta de planos individuais, já que o grande entrave é mesmo a aplicação de reajuste pela média do mercado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) — disse Casarotti, lembrando que não é permitido fazer diferenciação de preço de entrada nos planos nem recusar cliente se o produto estiver à venda.
Alexandre Putini, diretor de Transformação Digital, Inovação e Advanced Analytics da SulAmérica, diz que o sistema teria impacto positivo na velocidade e qualidade de atendimento e na redução da inflação médica, com mais eficiência em prescrições e exames.
— Veremos muita inovação, produtos e serviços “figital”, muito amparados por novas tecnologias e redes de alta velocidade habilitando experiências incríveis, algumas delas em tempo real.
Para Carlos Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), o maior risco é a segregação de quem precisa de um cuidado mais intensivo:
— O sistema pode vir travestido de benefícios, mas me preocupa a vulnerabilidade dessa população. A exposição de dados aos planos aumenta o risco de segregação.