Título: Marina afirma não ter mágoa e que fica no PT
Autor: Abade, Luciana
Fonte: Jornal do Brasil, 16/05/2008, País, p. A3

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva disse, ontem, que pediu demissão porque não via mais as condições necessárias dentro do governo para continuar avançando com a agenda ambiental.

¿ A minha permanência não estava mais agregando. E quando as pedras não se movem, você precisa fazer algo para mover as pedras.

Marina, que pretende retomar o seu mandato no Senado, sem data prevista, concedeu entrevista durante mais de duas horas na sede da Agência Nacional de Águas (Ana), a 10 quilômetros de seu antigo gabinete na Esplanada dos Ministérios.

E afirmou que não foi consultada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a escolha de Mangabeira para coordenar o Programa Amazônia Sustentável (PAS). Rebateu, também, as críticas do presidente que declarou, na semana passada, que ela não era indicada para assumir o PAS porque não é uma pessoa isenta.

¿ Se ser isenta é a capacidade de mediar o seu ponto de vista de forma legítima e democrática com o outro, eu me considero uma pessoa isenta. Mas tenho meu ponto de vista ¿ argumentou

A seguir, os principais trechos da entrevista

A demissão

¿ O pedido de demissão foi uma decisão difícil e dolorosa, mas, sem sobra de dúvidas, estou muito tranqüila por ter a clareza que a decisão contribuiu para o processo de fortalecimento da agenda ambiental do nosso país. O Brasil é uma potência ambiental e tem que fazer jus à potência que é. Saí pela porta da frente. Saí no momento que era oportuno, que precisava de um novo acordo, um novo ministro Só o tempo é capaz de dizer o que é derrota e o que é vitória. Se o novo ministro der continuidade as políticas implementadas, sairei vitoriosa. Tivemos dificuldades naturais que faz parte de um processo democrático na sociedade e no governo. Senão seríamos homogêneos, como se fôssemos saco de estopa e não somos isso.

Novo ministro

¿ Conheci o Carlos Minc quando ele ainda tinha cabelo. Acho que ele corre o risco de perder um pouco mais. É uma pessoa comprometida com a agenda. É um ambientalista que todos nós respeitamos e, com certeza, é qualificado para dar uma contribuição qualitativa ao nosso país. Às vezes você está em um lugar, consegue acomodar conquistas, elas são consolidadas. E é preciso que se movimente o processo. É melhor um filho vivo no colo de outro do que tê-lo jazendo no seu próprio colo. Tenho certeza que o ministro vai ser capaz de mantê-lo vivo e fazê-lo crescer.

Lula

¿ Tenho muito a agradecer ao presidente Lula pela oportunidade de ter estado à frente do ministério. Tenho certeza que levarei para o Senado uma bagagem que me ajudará a continuar ajudando nesse processo (agenda ambiental). Não posso dizer que meu gesto é em função do doutor Mangabeira (Unger, chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência) porque o ministro José Dirceu já coordenou esse processo, a ministra Dilma, o ministro Ciro Gomes coordenava. Não é uma questão de pessoa. Você percebe quando começa a ter uma estagnação.

Expectativas

¿ No meu entendimento, o mais significativo para todo o Brasil é a questão do plano de desmatamento de três ministérios coordenados pela Casa Civil. Quando assumi, eu me comprometi a respeitar as coisas positivas deixadas pelos antecessores e superar as dificuldades encontradas. No Brasil, falar de proteção ambiental necessariamente significa remeter a desenvolvimento sustentável. Há coisas que devem ser mantidas e outras que não podemos aceitar nenhum tipo de retrocesso, como a criação de unidades de conservação. O Brasil já nos deu sustentabilidade política para isso. Até 2002, essas áreas eram criadas em lugares remotos. Agora, são criadas na frente da expansão predatória. É fundamental que possamos preservar os avanços. É fundamental que não tenhamos retrocesso.

Balanço da gestão

¿ Durante esses cinco anos, quatro meses e 14 dias eu e minha equipe conseguimos resultados que, no meu entendimento, são altamente relevantes e significativos. É claro que boa parte dos avanços não se deve a uma pessoa isolada. É fruto do entendimento e do avanço da sociedade brasileira em relação a um dos temas mais relevantes da atualidade, que é viabilizar o desenvolvimento com a preservação do meio ambiente. Este desafio tem feito com que essa agenda se coloque nesse século como algo irreversível, do qual não podemos nos esquivar. Não há dúvida de que a criação de 27 milhões de hectares de unidades de preservação na frente da expansão predatória, representando cerca de 59% de tudo que já foi criado até hoje, se constitui em um avanço significativo. Não há dúvida de que ter uma redução de desmatamento de 29% se constitui em avanço para e com a sociedade brasileira.

Biocombustíveis

¿ O Brasil deve preferir os biocombustíveis, porque são uma grande oportunidade econômica e social e de adaptação para as mudanças climáticas. Temos que dar continuidade no zoneamento agrícola. Temos 300 milhões de hectares de área produtiva e já foi dito pelo ministro da Agricultura que podemos produzir sem derrubar uma árvore. É preciso um novo acordo político que fará do desenvolvimento sustentável a principal ferramenta para reduzir o desmatamento e colocar o Brasil na altura da potência ambiental que é. Fiquei feliz quando ouvi o presidente Lula dizer que a política ambiental não muda. Devemos estabilizar as conquistas que temos e corrigir os problemas.

Desafetos

¿ Eu interagi, nos últimos cinco anos, com o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, que devo elogiar pela atuação durante a Operação Sucupira. Infelizmente, a parceria foi unilateralmente rompida porque o governador retrocedeu nas medidas ambientais. Já propus a Maggi, em determinado momento, que deixasse as justificativas das políticas impopulares para mim. Ele se ateria às medidas de desenvolvimento sustentável. Ninguém quer os efeitos indesejáveis das ações de combate ao desmatamento.

Futuro político

¿ Não vou deixar o PT. Estou reavaliando se buscarei a reeleição no Senado. O governo do Estado e a Presidência da República não estão nos meus planos. Eu saio do governo para ir para a tribuna do Senadopara ser a favor do desenvolvimento sustentável e da inclusão social.