O Estado de S. Paulo, n. 47961, 08/02/2025. Política, p. A8

Motta diz que 8/1 não foi tentativa de golpe e que penas são ‘severas’

Levy Teles
Geovani Bucci
Elizabeth Lopes
Raisa Toledo
Letícia Naome
Henrique Sampaio

 

 

A invasão às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 foi “grave”, mas “não tentativa de golpe”, na opinião do novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). “Entendo que estão recebendo penas muito severas”, disse o deputado sobre os condenados à Rádio Arapuan FM, de João Pessoa (PB). Na visão de Motta, houve uma “agressão às instituições”.O deputado desconversou, porém, sobre o futuro do projeto de anistia na Câmara. A relatora da CPMI do 8/1, senadora

Eliziane Gama (PSD-MA), desafiou Motta a ler o relatório da comissão. “Houve sim tentativa de golpe de Estado e o responsável foi Jair Bolsonaro”, afirmou. Apoiadores do ex-presidente organizam manifestação para pressionar o Congresso a votar a anistia.

“Golpe tem de ter um líder, uma pessoa estimulando, apoio de outras instituições interessadas. Não teve isso”

Deputado Hugo Motta, presidente da Câmara

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou ontem que a invasão das sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023 foi “grave”, mas “não uma ( tentativa) de golpe” de Estado. A declaração foi feita durante entrevista à rádio Arapuan FM, de João Pessoa (PB). “Entendo que ( os condenados) estão recebendo penas muito severas”, disse ele.

“O que aconteceu não pode ser admitido novamente, foi uma agressão às instituições. Agora, querer dizer que foi um golpe… Golpe tem que ter um líder, uma pessoa estimulando, tem que ter apoio de outras instituições interessadas. E não teve isso”, continuou. “É um assunto que divide a Casa, que gera tensionamento com o Judiciário e o Executivo. Por isso, o nosso cuidado em tratar sobre o tema. Eu não posso chegar aqui dizendo que vou pautar anistia na semana que vem ou não vou pautar de jeito nenhum.”

Motta já havia afirmado, no início da semana, que não considerava possível ignorar uma pauta levantada pela maior legenda da Casa, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, disse que, ao abordar a possibilidade de anistia, tinha a obrigação de não acirrar a relação entre os três Poderes. “Vamos tratar esse tema de maneira muito tranquila, de maneira muito serena”, afirmou.

A anistia aos réus e condenados pelo ataque ao Palácio do

Planalto e aos prédios do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional é uma das bandeiras de Bolsonaro, que espera que uma versão ampliada do projeto possa anular suas condenações na esfera eleitoral e habilitá-lo para a eleição presidencial de 2026.

Motta foi eleito com 444 votos no dia 1.º de fevereiro para o biênio 2025-2026. Ele obteve a segunda maior votação para presidente da Casa na história, perdendo apenas para Arthur Lira (PP-AL), que recebeu 464 votos em 2023. O deputado paraibano foi eleito novo comandante da Casa com apoio do PL e até mesmo da bancada do PT.

Como mostrou a Coluna do Estadão, a relatora da CPI Mista do 8 de Janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), desafiou Motta a ler o relatório da comissão. “Houve, sim, tentativa de golpe de Estado e o responsável foi Jair Bolsonaro”, afirmou.

ATO. Apoiadores do ex-presidente estão organizando uma manifestação para o dia 16 de março com o objetivo de pressionar o Congresso a colocar a anistia aos implicados pelo 8 de Janeiro na pauta. A declaração de Motta animou o grupo.

O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), crê que o ato de março pode ajudar a trazer o apoio à anistia de parlamentares ligados ao Centrão e fazer a proposição voltar a tramitar. A expectativa, segundo ele, é de que ocorram

“Entendo que (os condenados) estão recebendo penas muito severas (...) Não posso chegar aqui dizendo que vou pautar anistia na semana que vem ou não vou pautar de jeito nenhum”

Hugo Motta (Republicanos-PB) Presidente da Câmara

mobilizações em todas as capitais. “Na próxima semana vou falar com os presidentes estaduais do PL e organizar”, disse.

“A questão da anistia, já nas declarações a gente vê que há o entendimento de se avançar na Câmara com Hugo Motta”, afirmou o líder da oposição na Casa, Zucco (PL-RS).

Para os petistas, porém, o 8 de Janeiro foi tentativa de golpe. “O 8 de Janeiro foi a última tentativa”, disse Lindbergh Farias, líder do partido na Câmara. “O que eles queriam no 8 de Janeiro foi organizado e planejado. Eles queriam que Lula decretasse uma GLO ( Garantia da Lei e da Ordem, operação provisória de policiamento realizada pelas Forças Armadas).”

No ano passado, a anistia chegou a entrar na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, então comandada pela deputada Caroline de Toni (PL-SC). O texto era visto por especialistas como muito amplo e com brechas que poderiam favorecer Bolsonaro. A proposta acabou freada após Lira decretar a criação de comissão especial para tratar do tema, levando a tramitação a uma fase anterior. A comissão não iniciou os trabalhos.

FICHA LIMPA. Em outra manifestação recente na qual acenou ao bolsonarismo, o presidente da Câmara afirmou que considera longo demais o prazo de inelegibilidade de oito anos imposto pela Lei da Ficha Limpa. Ontem ele voltou ao tema na entrevista à rádio paraibana: “Se você não achar que oito anos é um tempo extenso, é não reconhecer a constitucionalidade”, disse.

Após os entraves no projeto de lei que pretende anistiar os extremistas do 8 de Janeiro, opositores aliados de Bolsonaro passaram a se mobilizar pela aprovação de um projeto de lei complementar de autoria do deputado Bibo Nunes (PLRS) para mudar a Lei da Ficha Limpa. A proposta, se aprovada, fixaria o tempo de inelegibilidade em dois anos – e não os atuais oito anos de direitos políticos suspensos. Durante a entrevista de ontem, Motta disse, contudo, que não tem compromisso em pautar a alteração na Lei da Ficha Limpa.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou o ex-presidente por abuso de poder político em dois momentos: após ele ter feito afirmações contra o sistema eleitoral brasileiro em uma reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em 2022; e, no mesmo ano, por ter feito uso eleitoral das comemorações do Bicentenário da Independência.

Ontem, Bolsonaro afirmou, em vídeo publicado em suas redes sociais, que a Ficha Limpa é utilizada atualmente para perseguir nomes da direita. Ele defendeu o fim da normatização. “Quero acabar com a Lei da Ficha Limpa”, declarou o ex-presidente, ao lembrar que, “lá atrás”, votou favoravelmente ao projeto. O ex-presidente argumentou que, após a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) ter sido cassada pelo Congresso, no final do processo, “resolveram fazer uma gambiarra permitindo que ela pudesse continuar com os seus direitos políticos”.

“A Lei da Ficha Limpa hoje em dia serve apenas para uma coisa: para que se persiga os políticos de direita.” •