O Globo, n 32.310, 22/01/2022. Economia, p. 15

Inflação pesou mais que risco fiscal para o governo
Manoel Ventura, Julia Noia e Vitor da Costa


Medo do impacto da alta de preços no segundo semestre, às vésperas da eleição, superou preocupação com as contas públicas

O presidente Jair Bolsonaro decidiu apoiar a PEC dos Combustíveis diante de um temor trazido a ele por membros do governo de uma alta da inflação no segundo semestre, exatamente no auge do período eleitoral, segundo relato de integrantes do o governo.

A conta do governo é que o risco inflacionário é mais deletério à popularidade do que o risco fiscal. Além dos preços do petróleo e da eletricidade, assessores de Bolsonaro temem safra menor este ano por causa de questões climáticas. As questões geopolíticas, que afetam o preço das commodities, também são cuidadosamente analisadas por técnicos do governo.

Como O GLOBO mostrou, o Ministério da Economia foi consultado e não se opôs à redução de impostos por entender que algo deve ser feito. Dentro do governo, a lei é que o litro de gasolina pode subir para R$8 e bater R$10 se nada for feito.

Em 2021, a inflação subiu 10,06%, a maior desde 2015. Para este ano, o mercado já espera alta de 5,09%.

IMPACTO NA BASE ELEITORAL

A PEC, além de ter apelo popular, também representaria uma pressão extra sobre os governadores.

O risco fiscal criado pela PEC foi um dos fatores ontem para o desempenho do mercado. O dólar subiu 0,72%, para R$ 5,45. A bolsa de valores recuou 0,15%, a 108.942 pontos.

Para o ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn, a proposta é uma solução artificial e inconsistente que terá efeito prático apenas na base política do presidente, principalmente os caminhoneiros.

— O governo ganha ao anunciar, principalmente aos caminhoneiros, que baixou o preço da gasolina e do diesel. No curto prazo, chama a atenção, com redução de bombas. Mas as más consequências aparecerão depois - explica.- Temos a receita finita. Se o governo criar um subsídio monumental, como fechará a conta? Vai acabar aumentando o endividamento. E então impactará a inflação: as pessoas terão combustível mais barato, mas inflação mais alta. A solução tem que ser pelo mercado.

O estrategista-chefe do ModalMais, Felipe Sichel, pondera que a PEC é um instrumento que exige uma coordenação política mais difícil de controlar, ainda mais em ano eleitoral. Para ele, a PEC reflete o desconforto do governo com o nível de popularidade e o esgotamento das medidas de curto prazo disponíveis para reduzir os preços. O alívio da inflação tende a ser temporário diante da piora do quadro fiscal, diz ele:

— Observamos um ciclo de expectativas de inflação muito fortes e que também está relacionado com o risco inerente à condução da política fiscal. E estamos falando de mais um risco para as contas públicas ao longo do tempo, que deve impactar nas expectativas de inflação.