O Estado de S. Paulo, n. 47961, 08/02/2025. Internacional, p. A14
Avião com 111 deportados chega ao Ceará; algema é tirada após o pouso
Thiago Paiva
Marcello Oliveira
Deportados brasileiros desembarcam em Fortaleza: algemas retiradas no momento do pouso no Brasil
Parada em Fortaleza serviu para libertar brasileiros antes de seguirem para Belo Horizonte em avião da FAB.
O segundo voo com 111 brasileiros deportados por Donald Trump chegou ontem a Fortaleza. Segundo relatos, todos vieram algemados. A parada no Ceará serviu para retirar as algemas antes que a maioria deles seguisse para o destino final, Belo Horizonte, em avião da FAB. Do grupo, 23 ficaram em Fortaleza e 88 seguiram para a capital mineira.
“Eles retiraram as algemas das mãos e das pernas dentro do avião, no momento do pouso”, disse a secretária de Direitos Humanos do Ceará, Socorro França. Ela não soube informar se crianças e adolescentes também viajaram algemados.
Luiz Carlos da Silva Araújo relatou ao Estadão que veio com os pés e as mãos acorrentados. Ele decidiu desembarcar em Fortaleza e voltar por conta própria ao Pará, de onde saiu com a mulher rumo aos EUA há um mês. “A gente veio totalmente algemado. Os braços e as pernas também”, disse.
Ele contou que saiu de Redenção, no Pará, no dia 30 de novembro e entrou nos EUA pela fronteira com o México, em 7 de janeiro. Desde então, estava detido. “No dia que eu cheguei, fui preso. Minha mulher ficou lá, está esperando a deportação. Desde o dia que a gente chegou e se entregou eu não vi mais ela. Hoje faz um mês ( desde a última vez que a viu)”.
Ao desembarcar em Belo Horizonte, Ridelson, que preferiu se identificar apenas com o primeiro nome, contou ao Estadão que foi preso nos EUA no dia 13 de janeiro, antes de concluir sua entrada. Ele expressou indignação pelo tratamento e as algemas. “Isso é muito forte, porque não somos bandidos”, disse. Natural de São João Evangelista (MG), ele relatou que pretende passar “um bom tempo sem comer pão com mortadela”. “Já estou com nojo”, disse, ao comentar sobre a comida servida no voo.
CHEGADA. O voo saiu do Estado de Louisiana, acompanhado por um diplomata, e fez uma parada técnica em Porto Rico, antes do desembarque em Fortaleza. O pouso na capital cearense ocorreu por volta das 16 horas e o da FAB em Belo Horizonte, às 21h20.
Clandestinos Estima-se que 11 milhões vivam em situação ilegal nos EUA, incluindo 230 mil brasileiros
A chegada foi acompanhada por uma operação especial da Polícia Federal, montada para acelerar os procedimentos migratórios, e por uma equipe do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania. O governo brasileiro preparou também um esquema para receber os brasileiros em Belo Horizonte.
“A prioridade é garantir que os cidadãos brasileiros que hoje voltam para o Brasil conseguiam chegar com segurança para reencontrar suas famílias e reconstruir suas vidas”, disse a secretária executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Janine Mello.
A operação foi articulada depois que um voo com 88 brasileiros deportados criou uma crise diplomática com os EUA. O Brasil questionou o uso de algemas e as condições do voo, que parou no Panamá e em Manaus por falhas técnicas. A aeronave não tinha ar-condicionado e os imigrantes relataram maus tratos por parte dos agentes de imigração dos EUA. A aeronave utilizada ontem foi a mesma da primeira viagem, mas não houve relatos de problemas desta vez.
Na primeira deportação, o governo brasileiro mandou um voo da FAB para buscar os deportados em Manaus e cobrou explicações dos americanos. O encarregado de negócios da Embaixada dos EUA em Brasília, Gabriel Escobar, lamentou o episódio em uma reunião a portas fechadas no Itamaraty, o que as autoridades brasileiras consideraram um pedido de desculpas, segundo relataram ao Estadão pessoas que participaram da conversa.
Depois do incidente, um grupo de trabalho envolvendo Itamaraty, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Polícia Federal e representantes dos EUA deu início às reuniões para tratar dos próximos voos.
Ontem, no Aeroporto em Confins, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Macaé Evaristo, afirmou que mulheres e crianças não foram algemadas no voo até Fortaleza, mostrando, segundo ela, uma mudança no tratamento aos imigrantes.
Estima-se que 11 milhões vivam em situação irregular nos EUA, incluindo 230 mil brasileiros, segundo o Pew Research. Desses, 38 mil estão sob ordem de deportação, sem possibilidade de recurso. •