O Globo, n 32.310, 22/01/2022. Economia, p. 15
NA CONTA DOS ESTADOS
Manoel Ventura, Raphaela Ribas, Julia Noia, Lucila Soares Fernanda Trisotto
Bolsonaro quer incluir ICMS na PEC para reduzir preços de combustíveis e luz
O presidente Jair Bolsonaro quer incluir o ICMS, tributo estadual, na proposta de emenda à Constituição (PEC) que discute com parlamentares para reduzir o preço dos combustíveis e da energia elétrica. A inclusão do ICMS seria uma forma de pressionar os governadores a reduzir o imposto e deve se transformar em uma frente de disputa entre o governo federal e os estados.
A PEC em discussão no governo permitiria zerar os tributos federais (PIS/Cofins e Cide) de forma temporária. A ideia é fazer uma mudança na Constituição, pois assim não seria necessário apresentar uma compensação (com acréscimo de outro imposto ou corte de despesa), conforme previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Bolsonaro quer reduzir o preço dos combustíveis no ano em que concorre à reeleição e é pressionado pela inflação, que fechou o ano passado com alta de 10,06%, o maior patamar em seis anos, influenciada por combustíveis e energia elétrica.
ASSOCIAÇÃO OPCIONAL
A adesão ou não à proposta caberia aos estados, que também não precisariam fazer indenizações. Na semana passada, os governadores anunciaram que, a partir de fevereiro, a referência do ICMS será descongelada. Ao longo do ano, o presidente repetidamente atribuiu o aumento do preço do produto ao imposto estadual. Os governadores acabaram congelando o valor temporariamente. Mas decidiram não prorrogar a medida após o reajuste dos preços cobrados na refinaria pela Petrobras na primeira quinzena deste mês.
Bernardo Motta, pesquisador do IBRE/FGV, lembra que um entrave à adesão dos governadores é o peso do ICMS na arrecadação. Enquanto PIS, Cofins e Cide em todos os produtos representam cerca de 20% da receita federal, o ICMS responde por 85% da receita estadual. Desse total, petróleo e energia elétrica representam uma fatia de 35%. E diz que o efeito final não é garantido:
- Tanto que as alíquotas do ICMS sobre combustíveis ficaram congeladas por três meses e não houve resultado tangível para o consumidor final.
'JOGO DE CENA'
Embora a PEC renuncie à indenização, haverá impacto nos cofres públicos. Em 2021, até novembro, o governo federal arrecadou R$ 50 bilhões em impostos sobre combustíveis. Juntos, os estados arrecadaram R$ 107 bilhões com ICMS sobre gasolina, diesel e outros combustíveis no ano passado.
Em 2021, a receita total dos estados com o ICMS cobrado sobre a energia elétrica foi de R$ 64 bilhões. Já o governo federal arrecadou cerca de R$ 15 bilhões com PIS/Cofins sobre energia elétrica no ano passado.
Para o senador Carlos Viana (PSD-MG), há forte pressão popular para reduzir o preço dos combustíveis, mas uma PEC em ano eleitoral exigirá muito debate, e a maioria dos governadores já se posiciona contra a proposta. O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), um dos coordenadores do Fórum de Governadores, diz que a mudança do ICMS não resolve o problema e defende um fundo de equalização para reduzir os preços ao consumidor final, uma forma de amortecer as oscilações nos preços do petróleo e dólar.
Segundo Pedro Rodrigues, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o ICMS tem peso no valor da gasolina, mas não é o único fator que determina o preço:
— A cadeia tem vários agentes: distribuidores, postos, que podem colocar o preço que quiserem, então, não necessariamente a redução dessa composição chegará à bomba.
Com base nos preços praticados no início do ano, Rodrigues estima que uma redução na gasolina resultaria na zeragem de R$ 0,59 por litro de PIS e Cofins. O produto passaria de R$ 6,63 para R$ 6,04. Se também for zerada a Cide para a gasolina, o valor final cairia para R$ 5,94. Mas a estimativa mantém as demais variáveis ​​constantes, como o valor na refinaria e o ICMS.
Mauro Rochlin, professor de MBAs da FGV, avalia que haverá pouca mudança para o consumidor final:
- É um jogo de cena. O governo federal quer fazer parecer que os impostos têm um peso que não têm. O governo não tem controle sobre o preço do petróleo, mas o dólar é influenciado pela política fiscal.
Para Cleveland Prates, conselheiro do IBRE/FGV, a PEC tem caráter "político e eleitoral" e está sendo apresentada de forma "vacilante". Mesmo que a medida seja aprovada no Congresso, Prates avalia que haverá pouco retorno na política capital para o presidente:
— Essa medida não deve melhorar a popularidade do presidente. Dependendo do que ocorrer no mercado internacional, o preço do petróleo vai subir. E o que o Brasil vai fazer? Deixar de aplicar o reajuste? -dizer.