O Estado de S. Paulo, n. 47964, 11/02/2025. Negócios, p. B8
Estados do Norte apostam em projetos de Crédito de Carbono
Luciana Dyniewicz
A menos de dez meses para a COP-30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025), os Estados da Região Norte do País correm para avançar com seus projetos de crédito de carbono e chegar a Belém (PA) com propostas concretas para apresentar a investidores. Alguns deles já assinaram contratos de preferência de venda desses créditos, mas ainda é preciso a anuência de populações tradicionais para tirar os projetos do papel – o que poderá não ser fácil.
Os setores público e privado estão alinhados com a estratégia de aproveitar a COP para mostrar ao mundo que o Brasil tem capacidade de oferecer soluções para outros países atingirem suas metas de redução das emissões. E os créditos de carbono são uma dessas soluções a ser apresentadas.
No fim de 2024, o Pará anunciou a assinatura de um acordo no valor de US$ 75 milhões (R$ 433 milhões) para vender créditos de carbono gerados pela redução do desmatamento que deve ocorrer no Estado entre 2023 e 2026. Foram negociados 5 milhões de créditos (cada um correspondente a uma tonelada de carbono não emitida), sendo que cada crédito foi avaliado em US$ 15. E há a possibilidade de mais 7 milhões de créditos serem transacionados, o que faria com que o negócio alcançasse a cifra de US$ 180 milhões (R$ 1 bilhão) – no que foi anunciado como o maior acordo de venda de crédito de carbono já realizado no Brasil.
O acordo foi fechado com a Emergent, coordenadora da Coalizão LEAF, uma iniciativa pública e privada internacional que inclui grandes corporações e os governos da Noruega, do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Entre os compradores da Coalizão, por sua vez, estão empresas como Amazon, Bayer, H&M, BCG, Capgemini e Fundação Walmart.
JURISDICIONAL. O contrato considera uma linha de corte de emissões de 234 milhões de toneladas de carbono por ano. O número é a média das emissões paraenses entre 2018 e 2022. Se o Estado emitir menos que isso por ano, ele gera créditos – o que já teria ocorrido em 2023 e 2024, segundo o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Raul Protázio Romão.
O projeto de crédito do Pará é do tipo jurisdicional, ou seja, ele considera a redução das emissões de todo o Estado. Assim, se uma determinada comunidade tradicional decidir desenvolver um projeto próprio, ela terá sua redução de emissões excluída do projeto do Estado.
O governo do Pará já criou uma sociedade de economia mista para negociar os créditos de carbono e está trabalhando no anteprojeto de lei que dará suporte legal para seu sistema de venda. A intenção agora é realizar as consultas prévias, livres e informadas com a população em geral, mas sobretudo com comunidades tradicionais afetadas diretamente. “Se as populações não quiserem esse sistema, tudo bem. Não teremos nenhuma penalidade por isso. Só não teremos o crédito que seria gerado nesse território”, diz Romão.
Segundo o secretário, o projeto do Pará é uma tentativa de conseguir financiamento para proteger a floresta. “Os entes nacionais e o próprio Brasil precisam encontrar caminhos de financiamento ( para manter a Amazônia em pé). Ainda não temos isso hoje. Quando chega a época das queimadas ou quando o desmatamento aumenta, as estruturas de Estado não estão preparadas para o tamanho do desafio.”
A intenção é, até a COP, ter a base jurídica do sistema jurisdicional concluída, realizar as audiências públicas, entregar os primeiros créditos de carbono e receber os recursos. “Queremos concluir a transação até lá.”
O desafio, no entanto, é grande. Em dezembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) emitiram uma recomendação à Secretaria de Meio Ambiente na qual apontaram vários problemas no modo como o projeto vem sendo desenvolvido – como a falta de realização de consulta prévia aos povos tradicionais e a proposta do governo paraense para repartir parte dos recursos provenientes da venda dos créditos de forma igualitária entre o pequeno produtor e os médios e grandes proprietários de terra.
MPF e o MPPA também apontaram que a inclusão de áreas federais no projeto levanta dúvidas sobre o respeito à autonomia e aos direitos dos povos tradicionais que ocupam esses territórios. Ainda criticaram o Estado por veicular a notícia de que a venda de R$ 1 bilhão havia sido fechada e destacaram se tratar de uma sinalização de interesse de compra. De acordo com o governo do Pará, as consultas serão iniciadas em fevereiro.
No Amazonas, a situação não é muito diferente. Apesar de o modelo de projeto de carbono ser distinto, ele também tem sido criticado pelo MPF. O governo de Wilson Lima (União Brasil) terceirizou a exploração de projetos em 21 unidades de conservação do Estado, num processo iniciado em junho de 2023. Foram selecionadas para tocar os projetos as empresas Carbonext, BrCarbon, Ecosecurities, Future Carbon e Permian Brasil. Pelos contratos, essas companhias ficarão com 15% do valor de venda dos créditos, enquanto o Estado, com 85% – desse montante, metade deve ir para as comunidades.
O secretário de Meio Ambiente, Eduardo Taveira, diz que os recursos gerados pelos créditos são essenciais para que o Estado consiga manter a floresta em pé. “Vai ser muito complicado manter as metas de redução de desmatamento se os projetos não rodarem. A gente fica sem uma capacidade, inclusive, de caixa para poder estruturar o sistema de monitoramento”, diz.
Em novembro, no entanto, o MPF ajuizou uma ação civil pública pedindo para a Justiça suspender os projetos. Isso porque comunidades indígenas, ribeirinhas e extrativistas das unidades de conservação não foram consultadas sobre o assunto, conforme determina convenção da Organização Internacional do Trabalho. “A maioria dos povos não tem noção do que se trata um crédito de carbono. Do jeito que o governo está fazendo, as populações vão meio que homologar ou não os projetos. Não é assim que se faz uma consulta”, diz o procurador Fernando Merloto, autor da ação.
TOCANTINS. Pioneiro na área, o Tocantins também trabalha em um projeto jurisdicional. De acordo com o secretário do Meio Ambiente, Marcello Lellis, a intenção do governo de Wanderlei Barbosa (Republicanos) é chegar à COP com o projeto certificado. Até lá, no entanto, será preciso realizar as consultas com as comunidades tradicionais envolvidas. O projeto, porém, ainda não tem definida como será a repartição dos recursos levantados com a venda dos créditos. “No caso do agro, a ideia não é distribuir por fazendas. É usar o dinheiro para adotar ações coletivas definidas pelos produtores rurais.” •
“Os Estados e o País precisam encontrar caminhos de financiamento (para manter a floresta em pé). Ainda não temos isso hoje”
Raul Protázio Romão Secretário de Meio Ambiente do Pará