Valor Econômico, 12/05/2020, Brasil, p. A2

Bolsonaro declara manicure e academia como serviço essencial e surpreende Teich

Fabio Murakawa
Marcelo Ribeiro
Rafael Bitencourt



O presidente Jair Bolsonaro declarou ontem salões de beleza, barbearias e academias esportivas como “serviços essenciais”, medida que aumenta o conflito entre ele governadores e prefeitos sobre o grau de isolamento e de trava à atividade econômica em meio à pandemia de covid-19. A medida surpreendeu o ministro da Saúde, Nelson Teich, que afirmou não ter sido consultado a respeito.

O anúncio feito por Bolsonaro na porta do Palácio da Alvorada - e depois confirmada em edição extra do “Diário Oficial da União” (DOU) - ocorre em meio a uma escalada no número de casos e de mortes causadas pelo coronavírus no país. O DOU classificou ainda atividades de construção civil e industriais nessa categoria. Em todos os casos, a redação do decreto vem com a observação de que as atividades são essenciais, “obedecidas as determinações do Ministério da Saúde”.

Trata-se de um artifício do presidente para forçar a abertura da economia. Ao definir atividades como “essenciais”, pretende-se tira-se de prefeitos e governadores o poder de decisão sobre se esses estabelecimentos podem ou não funcionar. “Saúde é vida. Academias, salões de beleza e barbearias foram incluídas em atividades essenciais”, disse Bolsonaro.

A medida vem depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é prerrogativa de Estados e municípios adotar medidas para controlar o fluxo de pessoas e as atividades econômicas. O Supremo estipulou também que Estados e municípios podem definir serviços essenciais. Em caso de entendimentos divergentes, o conflito pode para a Justiça.

A decisão contrariou o presidente Jair Bolsonaro, que prometeu forçar uma abertura classificando algumas atividades econômicas como essenciais.

Minutos depois da fala de Bolsonaro, Teich dava uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto e deixou claro que não estava ciente da decisão presidencial.

Questionado por repórteres, ele primeiro perguntou quais eram as atividades e depois emendou: “Se você criar um fluxo que impeça que as pessoas se contaminem [...], você pode trabalhar retorno de alguma coisa. Agora, tratar isso como essencial, é um passo inicial, que foi decisão do presidente, que ele decidiu. Saiu hoje isso? [O presidente] falou agora?”.

Perguntado sobre se a decisão havia passado por ele, o ministro respondeu: “Isso aí não é... Não passou, não é atribuição nossa. Isso é uma decisão do presidente”.

“A decisão de atividades essenciais é uma coisa definida pelo Ministério da Economia”, prosseguiu o ministro. “O que eu realmente acredito é que qualquer decisão que envolva a definição omo essencial ou não passa pela sua capacidade de fazer isso de uma forma que proteja as pessoas.”

O número de mortes de pacientes infectados pelo novo coronavírus subiu ontem de 11.123 para 11.519, segundo o Ministério da Saúde. Foram 396 novos óbitos registrados em 24 horas. No domingo, o número tinha sido de 496. Técnicos afirmam, no entanto, que os números divulgados no domingo e na segunda refletem uma maior subnotificação no fim de semana. No fechamento da semana passada, as mortes haviam superado a marca de 700 por dia.

Os casos confirmados da covid-19 saltaram de 162.699 para 168.331. Foram mais 5.632 novos casos registrados em 24 horas.

A taxa de letalidade da covid-19 no país se manteve em 6,8%, apurada pela relação entre casos confirmados e óbitos. Até agora, 69.232 pessoas se recuperaram da covid-19 no Brasil. Elas já podem ter desenvolvido imunidade contra o vírus. Até ontem, 64.957 pessoas tinham se recuperado.

Ontem, no Alvorada, Bolsonaro reforçou ser favorável ao isolamento vertical, o que restringiria a circulação apenas de pessoas em grupos de risco, como idosos e portadores de outras doenças como cadiopatias e diabetes.

Ele negou que os decretos sobre atividades essenciais sejam uma tentativa de burlar as decisões de governadores e prefeitos sobre distanciamento social. “Eu não burlo nada, saúde é vida”, disse o presidente, afirmando ainda que “desemprego mata”.