O Estado de S. Paulo, n. 47963, 10/02/2025. Metrópole, p. A16

Baixa escolaridade é o maior fator de risco para declínio cognitivo no País
Layla Shasta

 

 

No Brasil, a baixa escolaridade é o principal fator de risco para o declínio cognitivo em idosos, diz estudo publicado no fim de janeiro na revista The Lancet Global Health.“É algo paradoxal: para evitar o declínio cognitivo associado ao envelhecimento, o mais importante é investir em educação no início da vida. Tudo está conectado”, diz Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e líder do estudo.

O declínio cognitivo é caracterizado pela redução das funções cerebrais, como queda da memória, linguagem ou raciocínio. É comum ocorrer em certa medida após os 50 anos, mas há fatores que elevam as possibilidades, bem como a intensidade da condição. Quadros de demência também são marcados por essa diminuição, mas de um modo que interfere nas atividades diárias.

Depois da escolaridade, os principais fatores de risco para a população brasileira apontados no estudo, feito com apoio do Instituto Serrapilheira, são sintomas de saúde mental, falta de atividade física, tabagismo e isolamento social.

Os pesquisadores usaram inteligência artificial e tecnologia de machine learning para analisar os dados de mais de 41 mil pessoas de Brasil, Colômbia, Equador, Uruguai e Chile. Para avaliar especificamente a população brasileira, foram estudados os dados de 9.412 participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (Elsi-Brasil). Segundo Zimmer, a tecnologia cruzou informações como incidência de declínio cognitivo, situação socioeconômica e nível educacional. “Nós reunimos os dados e os fatores de risco conhecidos e colocamos dentro do algoritmo. Então perguntamos a ele quais os maiores fatores de risco associados com declínio cognitivo.”

REALIDADE DISTINTA. A análise foi motivada pela ideia de que, enquanto estudos da América do Norte e Europa indicam idade, sexo (mulheres são mais suscetíveis) e algumas doenças como principais fatores de risco para a queda da cognição, no Sul global os motivos poderiam ser diferentes, dada a realidade social e econômica distinta. Em 2022, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) destacou que o tempo de educação formal tinha impacto na demência no País. A baixa escolaridade também é listada entre os 14 fatores de risco modificáveis para demência, definidos por uma comissão de especialistas da revista The Lancet.

Ao que tudo indica, o mesmo vale para o declínio cognitivo. No geral, estudos apontam que a educação formal cria estímulos à construção da “reserva cognitiva”. Assim, acredita-se que idosos com maior escolaridade tenham rotas compensatórias que minimizem prejuízos causados às vias de ativação dos neurônios por lesões degenerativas, por exemplo. “É como se a educação fosse um exercício para o cérebro”, diz Zimmer. Ele ilustra essa relação da seguinte forma: imagine a comunicação entre dois neurônios, A e B. Para o primeiro acessar uma informação do segundo, terá de buscá-la, fazendo um caminho dentro do cérebro, por meio das sinapses. Quanto mais uma pessoa estuda, mais caminhos são traçados em seu cérebro para essa comunicação. Assim, ela terá diversas vias para acessar a informação.

“Já o sujeito que não foi escolarizado terá um único trajeto possível. Se, com o passar do tempo, ele perder essa conexão, não irá mais conseguir buscar a informação e a memória que está no neurônio B”, compara.

Segundo o pesquisador, o novo estudo só analisou a relação com a educação clássica, mas há pesquisas que propõem que outras formas de estimulação do cérebro podem ter efeitos benéficos. “São exemplos: ler, praticar exercícios que envolvam cognição, aprender coisas novas e estudar novas línguas”, diz o cientista. Ele ressalta, porém, que os potenciais benefícios ainda precisam ser mais estudados para que os efeitos sejam comprovados.

No Brasil, aproximadamente 8,5% da população com 60 anos ou mais tem algum tipo de demência, o que equivale a cerca de 2,71 milhões de casos, conforme o Ministério da Saúde. A projeção para 2050 é de 5,6 milhões de indivíduos com a condição no País. Diante disso, para Zimmer, o ponto mais importante da pesquisa é reunir informações específicas sobre a população brasileira para pensar as melhores ações no contexto nacional. •

“É algo paradoxal: para evitar o declínio cognitivo associado ao envelhecimento, o mais importante é investir em educação no início da vida. Tudo está conectado”

“É como se a educação fosse um exercício para o cérebro”

Eduardo Zimer Professor da UFRGS e líder do estudo