O Estado de S. Paulo, n. 47958, 05/02/2025. Economia & Negócios, p. B1
Sem teto nos juros, consignado não precisará de FGTS, dizem bancos
Alvaro Gribel
Mariana Carneiro
Febraban diz que, com juro limitado, bancos podem “não ter apetite” para oferecer crédito a cliente de menor renda.
Em reunião na quinta-feira passada, no Palácio do Planalto, o setor financeiro afirmou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pode atuar sem a garantia do FGTS caso o governo não estabeleça um teto de juros na remodelagem do crédito privado consignado. O pedido consta em um documento apresentado pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) a Lula e à equipe econômica, ao qual o Estadão teve acesso.
Procurada, a entidade confirmou a veracidade do texto. Já os ministérios da Fazenda e do Trabalho e Emprego (MTE) não quiseram comentar.
O governo prepara um novo modelo de consignado privado no qual os bancos terão acesso às informações dos trabalhadores por meio da plataforma eSocial, não precisando mais ser dependentes de convênios feitos com as empresas para emprestar. Com isso, os trabalhadores poderão receber ofertas de várias instituições, porque haverá mais competição, enquanto os bancos terão acesso a uma base maior de clientes.
O teto de juros é a principal preocupação dos bancos (tanto públicos quanto privados) com as mudanças, porque o setor teme que o governo siga o mesmo modelo do consignado para aposentados do INSS e servidores públicos – que estabelece um teto de juros de 1,8% ao mês.
O entendimento das instituições financeiras é de que o mercado de trabalho formal privado tem outra modelagem de risco e que o teto poderia afastar do acesso ao crédito justamente as parcelas da população que mais precisam.
“Caso venha a ser implementado o teto, há risco de os bancos não terem apetite para conceder o novo consignado a trabalhadores de menor renda, de primeiro emprego e com vínculo com empregadores de menor porte ou de maior rotatividade”, afirma o texto da Febraban.
O governo, porém, cogita estabelecer um teto de juros para esse tipo de operação.
GARANTIA. A entidade complementa que, com o teto, seria necessário ter a garantia do FGTS. “No caso de teto de juros, a garantia do FGTS será fundamental para expandir a oferta ao público de maior risco ou rotatividade. Sem teto de juros, os bancos poderiam atuar sem a garantia do FGTS”, diz a Febraban.
Auxiliares de Lula nos bancos estatais almejam que a taxa dessa nova linha de crédito fique próxima à do consignado do setor público. Eles são contra o teto, mas entendem que o saldo do FGTS poderia ser dado como garantia para que os juros fiquem abaixo de 2% ao mês.
O governo vê resistência dos bancos em usar o FGTS como garantia, uma vez que os recursos são os mesmos utilizados para a linha do saque-aniversário, operação de crédito que ganhou popularidade nos últimos anos e é lucrativa para as instituições financeiras. O dispositivo, porém, está na mira do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que deseja acabar com a modalidade.
Uma solução intermediária que vem sendo debatida entre o setor financeiro e o governo seria limitar o número de anos que poderiam ser antecipados como garantia do empréstimo.
A reunião da última quintafeira, no entanto, não tratou do FGTS. Além do presidente Lula, o encontro contou com o presidente da Febraban, Isaac Sidney, com CEOs de bancos privados e públicos, além de Marinho e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
APLICATIVO. A Febraban também fez outros dois pedidos considerados como determinantes para o sucesso da medida.
Primeiro, que a plataforma do e-Social para que os bancos tenham acesso às informações dos trabalhadores possa ser acessada diretamente pelos aplicativos dos bancos. Há o receio de que os clientes desistam de completar o processo por terem de entrar em um site do governo, além da preocupação com links falsos que possam levar a um aumento de crimes e fraudes.
Segundo, que ocorra um período de transição, para que as instituições financeiras consigam migrar clientes que hoje estão com dívidas caras para as novas linhas de consignado. •
Juros mais em conta Instituições financeiras querem migrar clientes de linhas de crédito mais caras para o consignado