O Globo, n 32.310, 22/01/2022. Política, p. 11

Brizola e o teste do tempo
Maiá Menezes e Chico Otavio


No centenário do nascimento do ex-governador do RS e do Rio, o legado do político de trajetória única na história brasileira foi pulverizado entre divisões na família e dissidências no PDT que fundou

Na galeria dos personagens mais relevantes da história política brasileira, Leonel de Moura Brizola, que hoje completaria 100 anos, deixou como legado uma dinastia familiar ideologicamente heterogênea e uma herança política pulverizada, com principais marcas do Trabalho e da defesa da Educação. Estudiosos, netos, políticos denotam a avaliação de que o chamado brizolismo teve seu ciclo, mas acabou. Alguns acreditam que a ideologia vai voltar, outros que se espalhou por vários partidos, mas aliados muito próximos veem que hoje o PDT, partido por ele fundado, não mais levanta a bandeira do Trabalho, parte do tripé que fez de Brizola o sucessor político do figuras icônicas como Getúlio Vargas e João Goulart.

— Brizola era herdeiro de um legado trabalhista, deixado por Jango, iniciado por Getúlio. Ele sobreviveu, mas não conseguiu levá-lo à presidência. O trabalho cumpriu seu papel histórico. Mas quando vemos Ciro Gomes (pré-candidato do partido à presidência), não tem nada a ver com o trabalhismo brizolista. Não há mais — avalia o cientista político João Trajano Sento-Sé, estudioso do brizolismo e do fenômeno que fez de Brizola o único político brasileiro com a marca de ter sido governador de dois estados, o Rio Grande do Sul, sua terra natal, e o Rio de Janeiro.

No Rio, orbitaram em torno dele nomes como os dos ex-governadores Marcello Alencar e Anthony Garotinho. Sua principal marca foi a criação do Cieps, as escolas públicas onde os alunos estudavam em horário integral e que simbolizaram a prioridade para a educação em sua trajetória de homem público — projeto também abandonado.

MAIOR DO QUE O PARTIDO

Um sinal de que o homem parece ter sido maior que o partido foi a debandada de movimentos pró-brizolistas do PDT depois da morte do ex-governador em 21 de junho de 2004. Coordenador, em 1982, da campanha de Brizola ao governo do Rio, Vivaldo Barbosa deixou o PDT em 2010.

— A festa foi um caos. Deixou de ser um baluarte de defesa do brizolismo. A bancada votou a favor da reforma da Previdência, da privatização da Eletrobras — diz Vivaldo, hoje filiado ao PT e defensor da pré-candidatura do ex-presidente Lula. 

As eleições deste ano marcam ainda mais as divisões da velha democracia. Entre os netos de Brizola, dois apoiam Ciro Gomes e um Lula. O partido derrubou Ciro como pré-candidato ontem:

— o trabalhismo é um capítulo da história do Brasil, mas não faz nem 30 anos. As discussões são colocadas de forma diferente. E Ciro deixa isso claro. Não tem como comparar com o Brizola. Estamos na era da negociação, não da   revolução — diz o ex-deputado Miro Teixeira, que participou da convenção virtual, na qual Ciro reverenciou Brizola. 

O ex-vereador do Rio, Leonel Brizola Neto, que esteve no PSOL e no ano passado ingressou no PT, avalia que há uma esquizofrenia parlamentar: 

— o processo do meu avô deve ser rompido para virar na cova. Pedetista votando a favor da Reforma da Previdência, contra o trabalhador. Apoiar Cyrus não faz sentido. Ele trabalhou em duas multinacionais.

Ao contrário do que pensa a deputada estadual Juliana Brizola (RS), outra neta do ex-governador. 

— Eu não sou um pensador sobre o trabalho. Mas meu avô sempre foi contra a precariedade do trabalho. Eu sei que o berço do Ciro é outro (brizola, nascido pobre, em Cruzinha, no Rio Grande do Sul), mas ele tem um projeto de desenvolvimento nacional. 

Fora da dinastia familiar, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, destaca que é apoio revogável, apoiado também por Paulo Brizola Neto. Ex-leitor de notícias, Lupi conta que ficou encantado com o político após ler uma reportagem e decidir pegar um ônibus com amigos da faculdade para ouvir o discurso de Brizola no túmulo do ex-presidente Getúlio Vargas, na volta do exílio, em 1977. O conheceu em sua banca de jornal no Rio, próximo ao apartamento do ex-governador, na Avenida Atlântica. Lupi foi reconduzido na reunião de ontem. 

— O processo ideológico não tem herança individual para ninguém. Os trabalhistas estão vivos — afirma, garantindo não ver nenhuma incoerência entre o comportamento do partido desde a morte de seu fundador e a ideologia brizolista. 

Político experiente, em 25 de agosto de 1961, Brizola liderou a histórica campanha pela legalidade, que defendia o apoio constitucional do vice-presidente João Goulart após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Os militares eram contra e um golpe era iminente. A insurgência política de Brizola no Rio Grande do Sul foi decisiva para garantir a posse de Jango. Em 1962, Brizola iniciou sua vida política no Rio — trajetória logo interrompida pela resistência ao golpe militar de 1964, que o levou a um exílio de 15 anos no Uruguai.