O Globo, n 32.310, 22/01/2022. Opinião, p. 3
Testagem universal urgente
Lorena Barberia, Pedro Pontual, Roberto Kraenkel e Rosana Onocko
Embora tenha avançado significativamente na vacinação, o Brasil tem sofrido com a ausência de uma política universal e completa de enfrentamento à Covid-19. As extensas filas em busca de testes nas últimas semanas são um exemplo. Um plano de teste consistente é uma medida crucial e urgente. Em 11 de janeiro, o Observatório Covid-19 BR, a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas e Gestão Governamental (Anesp) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) enviaram nota conjunta ao Ministério da Saúde e à Anvisa, na qual foram apresentadas propostas apresentados detalhadamente para a estruturação de uma política de testagem universal, por meio de testes rápidos de antígenos.
No documento, destacamos que a situação excepcional da pandemia justificou a alteração do atual regulamento sobre testes rápidos, para permitir a autotestagem por leigos, algo que vem sendo realizado com sucesso nos Estados Unidos, Argentina, Reino Unido, Israel, Cingapura, França, Alemanha. Além disso, chamamos a atenção para a insuficiência da quantidade de testes prevista no Plano Nacional de Ampliação da Testagem para Covid-19 (PNE-Teste).
No dia 13, o Ministério da Saúde encaminhou nota técnica à Anvisa solicitando autorização para disponibilização de autotestes nas redes de drogarias e demais estabelecimentos de saúde. Não há esboço no documento, porém, de uma política de massificação da testagem ou de uma iniciativa para baratear os testes, para que sejam acessíveis à população.
Em reunião extraordinária realizada nesta quarta-feira, a diretoria da Anvisa reconheceu a importância dos autotestes, mas solicitou esclarecimentos adicionais ao Ministério da Saúde, sob o argumento de que a nota técnica de 14 de janeiro não atende a todas as exigências.
Entendemos que o pedido encaminhado pelo Ministério da Saúde à Anvisa é uma medida positiva para o enfrentamento da pandemia, mas está muito longe de resolver o problema. Para ser realmente eficaz, a iniciativa precisa estar ancorada em um plano mais amplo de universalização da testagem, sob o protagonismo e centralidade do SUS. A simples licença para vender testes em drogarias não seria, por si só, uma política pública. O adiamento da decisão final da Anvisa, por outro lado, conflita com o necessário senso de urgência que a situação exige. Não temos tempo para esperar.
Embora a Anvisa tenha razão em apontar a necessidade de uma política pública consistente, não é sua atribuição legal avaliar ou rejeitar a política definida pelo Ministério da Saúde. A autorização deve ser imediata, sem diminuir a responsabilidade do ministério em apresentar os detalhes da política de testagem que inclui autotestes.
Precisamos da distribuição gratuita de autotestes pelo público, algo perfeitamente viável em um país como o Brasil. É fundamental que os autotestes cheguem à população em diversos espaços sociais, como escolas, locais de trabalho, unidades prisionais, além de serem levados diretamente às residências pelos Agentes Comunitários de Saúde. Mesmo no caso da venda de autotestes em farmácias, há, na experiência internacional, exemplos de países que estabeleceram um preço máximo, justamente para permitir que não só pessoas privilegiadas tenham acesso a eles.
Os países que optaram por uma ampla política de testes rápidos adotam ações de comunicação para orientar a população sobre como coletar amostras e descarte de material, quais condutas adotar em caso de teste positivo, como interpretar o resultado dos testes, como e por quanto tempo fazer o isolamento ou quarentena de casos confirmados e suspeitos e, também, o tempo para procurar serviços e profissionais de saúde. Plataformas como o ConecteSUS poderiam, com baixo custo e em curto espaço de tempo, auxiliar na notificação de resultados positivos, fortalecendo a vigilância epidemiológica.
A experiência internacional mostra que as políticas públicas que garantem o acesso integral aos exames, sem contar com a disponibilidade de profissionais especializados para realizá-los, induzem à massificação da testagem. No Brasil, temos a experiência acumulada do SUS, um exército de Agentes Comunitários de Saúde e diversas instituições que poderiam estar envolvidas na ampliação da testagem. Ainda não estamos aproveitando todo o potencial do SUS para enfrentar o enorme desafio dos últimos dois anos. Passou o tempo de despertar essa capacidade e fortalecer o combate à pandemia.