Título: Fóssil brasileiro explica evolução
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 17/02/2005, Ciência, p. A12

Similar ao crocodilo, espécie viveu há 70 milhões de anos e se deslocou entre continentes mesmo após a separação das placas

O Uberebasuchus terruficus tinha mandíbula poderosa, atacava em bando e dilacerava dinossauros. O esqueleto encontrado estava quase completo

Cientistas brasileiros apresentaram ontem ao público uma nova espécie de crocodilomorfo de 70 milhões de anos, contemporâneo aos dinossauros: o Uberabasuchus terrificus. O fóssil, um dos mais completos do tipo já descoberto no mundo, foi encontrado em Peirópolis, bairro de Uberaba, cidade do triângulo mineiro.

Foram divulgados também, pela primeira vez, os resultados do estudo realizado com base no fóssil. O achado, do período Cretáceo, é um indicativo de o intercâmbio de espécies continuou a ocorrer, mesmo após a separação do antigo continente Gondwana (que englobava o que hoje corresponde à América do Sul, África, Antártica, Austrália e Índia). As placas tectônicas se afastaram e foram separadas pelo mar.

O espécime encontrado é membro da família Peirosauridae e tem parentes na Patagônia, na Argentina, e em Madagascar, Sudeste do continente africano. O fóssil mais próximo ao Uberabasuchus terrificus é o Mahajangasuchus insignis que habitava a ilha.

- Havia faunas terrestres de áreas muito longínquas, mas com a mesma identidade - afirma Ismar de Souza Carvalho, geólogo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador da pesquisa.

A interação de espécies foi possível graças a uma ponte terrestre formada entre a Austrália e a Antártica, ligando os continentes. Naquele período, a primeira tinha clima mais ameno e florestas sub-tropicais, o que permitiu uma rota de dispersão.

- É um marco para a paleontologia brasileira. Fósseis como esse são um tesouro - afirmou Luiz Carlos Borges Ribeiro, membro do estudo, paleontólogo e coordenador do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price.

Até hoje os fósseis encontrados no Brasil eram, na maioria, fragmentos, como por exemplo dentes. A nova espécie encontrada tem cerca de 70% do esqueleto preservado, e os ossos são articulados - o que significa que estão na posição original. Isso deveu-se a forma de sepultamento do animal.

- Ele vivia próximo de rios e lagos e após um período de seca morreu. Uma grande enxurrada deve tê-lo soterrado tão repentinamente que não houve tempo de haver a decomposição. Isto permitiu que permanecesse praticamente intacto - explica Leonardo dos Santos Avilla, paleontólogo da UFRJ e participante do estudo.

O Uberabasuchus terrificus é um crocodilomorfo, é semelhante aos crocodilos atuais mas não tem nenhum parentesco com eles. O animal foi batizado assim por causa do local em que foi achado e por ter sido um dos maiores predadores do período Cretáceo. Estima-se que teria de 2 a 2,5 m de comprimento e de 200 a 300 kg de peso. Os dentes pontiagudos mostram que era um carnívoro, que comia de tartarugas e até membros da mesma espécie - filhotes ou adultos doentes.

Características da ossada também permitem constatar que o crocodilomorfo era um animal terrestre.

- A posição superior da narina demonstra que o Uberabasuchos terrificus não podia ser um animal aquático, porque ao entrar na água não teria como respirar e morreria afogado - explica Luiz Carlos.

- O comprimento e a posição das pernas, verticalizadas, também demonstram que o animal agüentava andar até centenas de quilômetros. O que comprova a capacidade de dispersão gigantesca, capaz de ir de um continente a outro - acrescenta Ismar.

O fóssil foi desenterrado em setembro de 2000. Desde então, o estudo vem sendo realizado. O texto completo foi publicado em dezembro de 2004 na revista científica japonesa Gondwana Research. O esqueleto completo do Uberabasuchus terrificus vai ficar exposto no Museu do Dinossauro, em Uberaba.