O Estado de S. Paulo, n. 47971, 18/02/2025. Política, p. A6
PT retira regra que limitava reeleição e estimulava renovação na sigla
Guilherme Caetano
Victor Ohana
Vera Rosa
Enfrentando um racha agravado por divergências sobre os rumos do partido e do governo Lula, o PT decidiu ontem, numa reunião tensa do seu Diretório Nacional, suspender a regra que impossibilitava filiados de exercerem mandatos eletivos e na direção partidária por mais de três vezes consecutivas. A suspensão significa que deputados federais, deputados estaduais e vereadores poderão disputar a eleição pelo PT em 2026 e, se eleitos, cumprir um mandato pela quarta vez. A norma também valia para diretores executivos nacionais, estaduais e municipais do partido.
Os limites impostos serviam para incentivar a renovação partidária, obrigando os petistas mais experientes a ceder espaço para novos líderes. Renovação é um tema que se tornou debate constante no PT. Na reunião de ontem, a direção nacional do partido decidiu ainda retomar a votação direta nas eleições internas, marcadas para 6 de julho. Todos os filiados poderão votar para eleger diretórios municipais, estaduais e nacional.
A mudança foi uma vitória da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB) – tendência majoritária, que conta com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PR). A sigla havia decidido acabar em 2016 com a eleição direta, que agora foi retomada.
A disputa interna é considerada estratégica porque o sucessor de Gleisi conduzirá a campanha do PT em 2026. Será um ano decisivo para o projeto de poder do partido: ou Lula concorrerá à reeleição ou terá de indicar um herdeiro político.
Após pesquisa Datafolha mostrar que a aprovação do presidente despencou, a avaliação de interlocutores de Lula é a de que, se o governo não reagir rápido para sair das cordas, há risco de vitória da direita no ano que vem, mesmo sem o expresidente Jair Bolsonaro (PL) no páreo. Inelegível até 2030, Bolsonaro ainda será alvejado, nos próximos dias, por uma denúncia da Procuradoria-Geral da República, que o acusará de tentativa de golpe.
Lula só entrará na campanha se recuperar a popularidade, mas o agravante para o PT é que, após ser eleito três vezes, ele não construiu um sucessor. Até hoje, todos os que se apresentaram para a tarefa, como Fernando Haddad, José Dirceu e Antônio Palocci, foram fritados. Haddad continua de pé, mas está chamuscado. Não há “plano B” para 2026.
SUSPENSÃO. É neste contexto de falta de renovação que o Diretório Nacional decidiu suspender a limitação aos mandatos consecutivos. As deliberações tiveram debate acirrado entre a CNB, considerada moderada, e as correntes mais à esquerda. Nomes como Reginaldo Lopes, Zeca Dirceu e Valter Pomar foram contra as alterações. Pomar criticou o fato de o Diretório Nacional ter convocado a reunião para debater o regulamento do Processo de Eleição Direta (PED), e pediu que fosse marcado um novo encontro para discutir as outras questões.
O placar da votação foi de 60 a 27 pela suspensão da norma. Integrantes do PT estimam um impacto da decisão nas perspectivas políticas de cerca de 30 deputados para a próxima eleição geral. Além disso, a decisão retira o limite de dois mandatos consecutivos para os senadores.
Favoráveis à suspensão sustentam que, em muitas cidades pequenas e médias, a exigência do limite de mandatos faz com que o partido tenha dificuldades para compor as chapas. Por outro lado, argumentos contrários dizem que, nas instâncias superiores, deveria haver rodízio em favor da renovação do partido. Segundo petistas que acompanham as discussões, a decisão diz respeito somente às eleições de 2026 e, posteriormente, será debatida em congresso do partido.
PED. Já a volta das eleições diretas para os diretórios petistas foi aprovada por 61 votos a 24. O favorito para a disputa de 6 de julho é o ex-prefeito de Araraquara (SP) Edinho Silva. Ele é o nome ungido por Lula para comandar o PT. Além dele, estão no páreo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), e o secretário de Relações Internacionais do partido, Romênio Pereira. Nas últimas duas votações, o procedimento teve votação indireta: os filiados votavam em delegados, que escolhiam o presidente.
Segundo membros do Diretório Nacional, houve uma avaliação política de que era necessário retornar ao modelo original do processo. O número de votantes ainda está em aberto, porque será definido um prazo para filiações no partido. Houve ainda a aprovação da realização de 15 debates nacionais de candidaturas à presidência e de chapas nacionais, de acordo com integrantes do diretório.
A partir de março, a presidência do PT terá de ser ocupada por um dirigente com mandato-tampão até julho. Gleisi está prestes a deixar o comando da sigla para assumir um ministério no Planalto. O próximo nome a comandar o PT deve indicar as diretrizes do partido na eleição do ano que vem.
Ao revelar a pior avaliação de Lula desde seu primeiro mandato – superando até mesmo o escândalo do mensalão, em 2005 –, a pesquisa Datafolha assustou o partido. Em dois meses, o índice de satisfação com o presidente caiu de 35% para 24%. A maior queda foi registrada entre eleitores do PT, como mulheres, pobres e moradores do Nordeste. Foram esses segmentos que ajudaram Lula a derrotar Bolsonaro em 2022.
‘GUINADA’. Setores do PT avaliam que o governo precisa dar uma “guinada à esquerda” para se reaproximar dos eleitores que se desencantaram com Lula 3. A ideia é defendida até por ala da CNB, que pretende insistir em mudanças na política econômica levada a cabo por Haddad, ministro da Fazenda.
Nos bastidores, dirigentes dessa corrente – a mesma de Lula, Gleisi e do próprio Haddad – dizem não ser possível ficar na “pauta do ajuste fiscal” entoada pelo mercado, enquanto a “vida real” vai derrotando o governo. No fim de 2023, a cúpula do PT aprovou resolução que chamava o arcabouço fiscal de “austericídio”. •
Majoritária Eleição direta foi vitória da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), tendência que conta com Lula e Gleisi