Título: Polícia Federal indicia o espião
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 17/05/2008, País, p. A3

Secretário enviou a senador informações sigilosas, o que seria crime e não falta administrativa.

Brasília

O delegado da Polícia Federal (PF) Sérgio Menezes indiciou ontem o ex-diretor de Controle Interno da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires, por quebra de sigilo funcional. Com isso, indicou que a PF tem interpretação diferente do governo no caso do dossiê com os gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: as informações eram sigilosas e o vazamento, segundo a polícia, é crime ¿ e não uma falta administrativa ¿, punível com pena de dois a seis anos de cadeia, conforme previsto no artigo 325 do Código Penal. Pires prestou depoimento por cerca de três horas e admitiu ao delegado que saiu de seu computador no Palácio do Planalto o e-mail com os dados sobre os gastos do ex-presidente e sua mulher, Ruth Cardoso, recebido pelo assessor do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), André Fernandes. Ele negou, no entanto, que a intenção tenha sido intimidar o senador, que investigava os gastos com cartões corporativos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Embora o inquérito ainda corra sob segredo de justiça, a formalização de uma acusação contra Pires aponta também que a Polícia Federal deve chamar para depor a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, considerada a número 2 na estrutura montada pela ministra Dilma Rousseff.

O assessor de Álvaro Dias, André Fernandes, disse à polícia ter ouvido de Pires que Erenice foi quem deu a ordem para organizar a base de dados sobre os gastos do governo anterior. Fernandes afirmou também que a intenção de Pires era intimidar a oposição, demonstrando através da planilha, que o governo Fernando Henrique também havia feito uso em larga escala do cartão corporativo. Segundo essa versão, ao enviar os dados justamente para o senador mais empenhado em desgastar o governo, a oposição se retrairia.

"Inadvertidamente"

No depoimento à polícia, Pires assumiu apenas que o e-mail com os arquivos saíram de seu computador "inadvertidamente". Respondeu todas as perguntas com evasivas para evitar transformar-se num réu confesso ou comprometer seus superiores hierárquicos na Casa Civil.

¿ Ele não recebeu da Erenice ou da Dilma ordem para vazar as planilhas e acha que seu ato não caracterizou vazamento. Enviou sem a intenção de prejudicar, sem dolo ou má fé ¿ afirmou o advogado Luís Maximiliano Telesca, que defende o ex-assessor da Casa Civil.

Dois arquivos

O e-mail tinha dois arquivos, um deles com as planilhas excel onde estavam listados os gastos da família do ex-presidente com cartões corporativos do governo.

¿ Ele disse que não sabia o que estava mandando ¿ garante Telesca.

Segundo o advogado, Pires sabia que seria indiciado na Polícia Federal e até se sentiu aliviado depois que prestou depoimento.

Pires classificou de lamentável a crise que ele mesmo provocou e disse ao delegado que era amigo de André Fernandes.

A divulgação da planilha forçou o governo a apresentar várias versões sobre o caso. Primeiro o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que se tratava apenas de um levantamento administrativo de dados sobre gastos e descartou a possibilidade de pedir à Polícia Federal que investigasse o caso. Quando os fac-similes das planilhas foram divulgados, o governo admitiu que houve vazamento, mas avaliou ¿ mais uma vez de forma equivocada ¿ que o responsável poderia ter cometido apenas delito administrativo.

A PF, no entanto, enxergou indícios de crime e abriu inquérito por contra própria, alertando que investigaria toda a extensão do vazamento. O delegado usou uma lei, a nº 10.180, que obriga ocupantes de cargos como de Pires a manter sigilo sobre os dados que manuseia, para enquadrá-lo no Código Penal por vazamento de informações sigilosas. No meio da crise, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, resolveu dar sua versão: insistiu na tecla de que o levantamento era um ato administrativo e que os documentos não estavam cobertos de sigilo.