O GLOBO, n 32.311, 23/01/2022. Economia, p. 15
Ribeiro se volta para o agro e afasta BB da ira de Bolsonaro
Geralda Doca
Em menos de um ano, líder do banco cai nas graças do presidente, muda roteiro de privatização e se aproxima de ruralistas
Há cerca de um ano, críticas à administração do Banco do Brasil eram recorrentes na boca do presidente Jair Bolsonaro. Diante de um ousado programa de enxugamento no número de agências liderado pelo então presidente do banco, André Brandão, Bolsonaro escancarou que queria trocar o comando da instituição estatal. Dizia que o BB precisava ter“um lado social ”. A crise se prorrogou até março, quando Brandão se demitiu após menos de sete meses no cargo e foi substituído por Fausto Ribeiro. Desde então, o funcionário de carreira de 53 anos ,33 deles dedicados ao B B, conduz uma discreta mudança de rota: pacificou a crise interna, estreitou laços com o Planalto, militares e parlamentares e retomou o foco no agronegócio.
VOLTA ÀS ORIGENS
As críticas de Bolsonaro cessaram e o BB até saiu da lista de “privatizáveis” do governo. No início da semana passada, Bolsonaro e Ribeiro posaram sorridentes num evento do agronegócio em Brasília. Um dos destaques da gestão de Ribeiro é a expansão do crédito do banco — que tem 79,6 milhões de clientes e ativos de cerca de R$ 2 trilhões — para produtores rurais, uma das bases mais importantes do bolsonarismo. A carteira do banco para o setor cresceu 21,6% em 2021, para R$ 222,5 bilhões até setembro, e deve aparecer no balanço do ano passado com alta em torno de 30% em relação a 2020.
O agronegócio, historicamente uma prioridade do BB, que chegou a tentar uma diversificação nos últimos anos, voltou a ter atenção especial sob a liderança de Ribeiro, que cultiva o contato com produtores. Na manhã de 9 de julho, uma sexta-feira, o executivo mineiro deixou a rotina no BB de lado e embarcou com a família em uma van para conhecer uma colheita de algodão na fazenda Pamplona, a 60 quilômetros de Brasília. Após desembarcarem do veículo cedido pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), tomaram café, participaram da colheita e encerraram as atividades na propriedade em um churrasco.
A viagem é só um exemplo das visitas de Ribeiro a fazendas, onde costuma ouvir pedidos dos produtores. Em agosto, na fazenda Santa Luzia, em Sapezal (MT), escutou do proprietário, Fernando Maggi, do grupo Bom Futuro, que as taxas de juros dos empréstimos antigos do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste(FCO) ficaram impagáveis com a alta da inflação. O fundo é gerido pelo BB, e Ribeiro se empenhou na demanda de um refinanciamento junto a parlamentares e ao governo. Produtores rurais esperam uma decisão nesse sentido em breve do Conselho Monetário Nacional (CMN).
— Pedia ele para encontrar uma solução que atenda não só o grande produtor, mas o cara que comprou uma vaquinha,um tratorzinho. Isso é um socialzão, beneficia todo mundo—disse Fernando Maggi.
O foco no agronegócio aproximou Ribeiro da bancada ruralista, a frente mais organizada do Congresso, com cerca de 300 parlamentares, muitos deles integrantes da base do governo no Congresso.
—O BB tem sido um grande parceiro. Nunca colocou tanto recurso no agronegócio, foi o maior volume da história — endossa o deputado Sérgio Souza (MDB-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Ribeiro costuma contar a interlocutores que um grande agricultor conseguiu convencer Bolsonaro de que a venda do BB sacrificaria o agronegócio brasileiro. Alinhados ao ministro da Economia, Paulo Guedes, os antecessores de Ribeiro, Rubem Novaes e André Brandão, atuavam na preparação do banco para ser privatizado. Agora, o BB não tem sido mais citado como estatal a ser vendida, mesmo com Bolsonaro e Guedes intensificando nos últimos meses a defesa da privatização da Petrobras.
Ribeiro é uma presença no entorno de Bolsonaro, embora com menos estardalhaço que a de seu colega Pedro Guimarães, presidente da Caixa. Não se furta a atender pedidos, como a volta do BB ao patrocínio de corridas de Fórmula 1. A logomarca se destacou no último GP de Interlagos, no fim do ano tem intensificado a relação com os ministros políticos do Planalto e até com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Em dezembro, ele participou da festa de Natal para crianças carentes no Alvorada, que contou com Michelle vestida de Branca de Neve.
INDICADO POR MILITAR
Ribeiro evita redes sociais e usa o LinkedIn apenas para divulgar suas ações no banco. Além de discreto, é também conhecido pelo perfil conciliador. Atuou nas negociações com a Febraban para evitar a saída dos bancos públicos da entidade no episódio da carta em favor da democracia liderada pela Fiesp e assinada por associações empresariais na véspera do Sete de Setembro.
No ambiente militar, ele também circula com desenvoltura. No último 20 de abril, acompanhou a solenidade de transmissão do cargo de comandante do Exército entre os generais Edson Pujol e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Dois meses depois, embarcou com Bolsonaro para Ponta Porã para a inauguração de um radar de vigilância da Força Aérea (FAB). Em outubro, viajou com integrantes do Superior Tribunal Militar em avião da FAB para o Amazonas.
Essa proximidade com a caserna começou quando Ribeiro, ainda executivo do banco, fez um trabalho para a Imbel, estatal de munições ligada ao Exército. O resultado agradou tanto que seu nome acabou defendido para o comando do BB pelo almirante Flávio Rocha, hoje secretário de Assuntos Estratégicos do Planalto e a quem coube, em abril, aprovar o plano de comunicação do BB. O banco paga os salários de 64% dos fardados do país.
Embora tenha caído nas graças de Bolsonaro, Ribeiro não abandonou o enxugamento do banco iniciado por Brandão e concluiu o plano de fechamento de 361 agências e postos de atendimento. Porém, não adotou novas medidas nesse sentido.
— Havia previsão de fechar novas agências, mas o processo foi suspenso — disse o senador Hildo Rocha (MDB-MA), integrante da Comissão de Fiscalização da Câmara, que cobrou esclarecimentos sobre o fechamento de agências.
CONCURSO PARA 4 MIL
Ribeiro abriu escritórios e criou cargos no BB com foco em projetos de governo. Foi criada uma vice-presidência específica com essa função, entregue a Antônio Barreto, indicado por Onyx Lorenzoni, atual ministro do Trabalho e Previdência. O executivo também convocou concurso para contratar 4 mil funcionários.
Outra medida popular foi o lançamento de um mutirão para renegociação de dívidas de pessoas físicas e empresas no fim do ano. O braço social da instituição, a Fundação Banco do Brasil, assumiu um caráter mais assistencialista, com a doação de cestas básicas por meio do programa “Brasileiros pelo Brasil”.
O presidente do Sindicato dos Bancários do Distrito Federal, Cleytton Morais, diz que a ação é importante num momento de crise, mas lamenta a fundação ter abandonado programas com potencial de transformação social, como a construção de cisternas no semiárido nordestino, que contavam com a participação das famílias, e um projeto para catadores de materiais recicláveis. Procurado, Ribeiro não quis dar entrevista. Ribeiro concluiu o plano de fechamento de 361 agências e postos de atendimento.