O Estado de S. Paulo, n. 47966, 13/02/2025. Política, p. A6

Lei antidesmate da UE faz Tarcísio cobrar posição do governo Lula
Pedro Augusto Figueiredo

 

 

Governo de SP vê risco para o agronegócio em novas regras que serão implementadas pela União Europeia.

A lei antidesmatamento da União Europeia (UE), conhecida também pela sigla em inglês EUDR, é o novo capítulo de uma rixa entre a administração do governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O secretário de Agricultura de São Paulo, Guilherme Piai, enviou ofício ao Ministério da Agricultura e ao Itamaraty cobrando providências para que o agronegócio paulista não seja prejudicado pela forma como as novas regras estão sendo implementadas.

A avaliação no governo estadual é de que o cenário atual prejudicará especialmente as exportações do café paulista, que somaram R$ 7,71 bilhões no ano passado. A UE é o principal destino do produto, com quase metade das compras.

Café Governo de SP vê risco especialmente para as exportações de café, que somaram R$ 7,7 bi em 2024

Procurado por meio do Ministério da Agricultura e do Itamaraty, o governo federal não respondeu.

Piai quer mudanças na análise de risco ambiental para a aplicação da EUDR e também na forma como é feita a geolocalização das florestas. Os pedidos, porém, se chocam com a avaliação no Palácio dos Bandeirantes de que, historicamente, o governo federal é resistente a sugestões e pleitos de São Paulo, principal centro econômico do País.

A leitura é de que a situação teria se agravado à medida que Tarcísio passou a ser visto pelo governo Lula como principal adversário na disputa pela Presidência em 2026, já que o expresidente Jair Bolsonaro (PL) está inelegível. No ano passado, por exemplo, uma queda de braço entre os governos Tarcísio e Lula ameaçou atrasar a obra do túnel no Porto de Santos, mas depois houve acordo e o empreendimento foi anunciado conjuntamente pelo governador e pelo presidente.

O governador repete que será candidato à reeleição e não disputará a Presidência da República no próximo ano. Nos bastidores, Tarcísio costuma dizer que é o governador de oposição “dos sonhos”, pois não faz críticas nem tenta antagonizar Lula publicamente.

ÁREAS DESMATADAS. A lei antidesmatamento proíbe a comercialização na União Europeia de produtos como carnes, cacau, café, soja, madeira e óleo de palma se eles forem produzidos ou tiverem alguma ligação com áreas desmatadas. Entre as exigências, estão a geolocalização das fazendas onde essas commodities são produzidas e que as empresas europeias adotem procedimentos para garantir que suas cadeias de abastecimento não tenham produtos originados em áreas desmatadas.

A lei entraria em vigor em 30 de dezembro de 2024, mas, após pressão do Brasil e de outros países exportadores, foi adiada para 30 de dezembro de 2025, no caso de grandes operadores e comerciantes, e 30 de junho de 2026 para micro e pequenas empresas ( mais informações nesta página).

No ofício enviado no dia 31 de janeiro e obtido pelo Estadão, Piai elogiou a atuação dos ministérios para obter o adiamento, mas pediu que as pastas atuem na Comissão Europeia e no Parlamento Europeu para que o risco ambiental brasileiro seja analisado de forma regional e não nacionalizada.

A aposta é que São Paulo conseguirá uma classificação ambiental melhor do que a média brasileira – o Estado tem 25% do território preservado, acima dos 20% exigidos pelo Código Florestal Brasileiro, e 100 mil cadastros no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Quanto menor a classificação de risco, mais brandas são as exigências e a burocracia para que produtores e exportadores comprovem que seus produtos não têm origem em áreas desmatadas.

“É preciso que cada região tenha uma avaliação considerando suas características. O Brasil tem dimensões continentais e seis biomas em seu território. O que São Paulo precisa é de uma medida que minimize distorções na aplicação da legislação europeia, o que vai evitar sanções indevidas aos nossos produtores que atuam com responsabilidade ambiental em todas as cadeias agropecuárias”, disse Piai.

ALERTAS. Outro ponto levantado pelo secretário no ofício é que as ferramentas de geolocalização sugeridas pela União Europeia podem levar a alertas falsos de desmatamento. Piai afirma no documento que os mapas de cobertura florestal sugeridos pelo bloco europeu, gerados com auxílio de inteligência artificial e algoritmos, indicam como áreas de floresta locais onde o café é cultivado há décadas.

“Trazemos à baila tais questões para demonstrar efetivamente que existem ferramentas alternativas que podem ser utilizadas com maior precisão do que as que estão sendo, ao menos até o presente momento, sugeridas pela União Europeia”, argumentou o secretário. •