O GLOBO, n 32.311, 23/01/2022. Saúde, p. 22

Secretário diz que vacina não tem efetividade

Paula Ferreira e Daniel Gullino


Funcionário do Ministério da Saúde afirma que imunizantes ainda não têm eficácia e segurança demonstradas, mas que a hidroxicloroquina tem; posição está em documento utilizado para rejeitar protocolo contra uso do ‘kit Covid’

O secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, afirmou em uma nota técnica que vacinas contra a Covid-19 não têm efetividade nem segurança demonstradas, mas que a hidroxicloroquina tem. A afirmação contraria posição da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e dos especialistas. 

A posição consta no documento no qual Angotti Neto baseou sua decisão de rejeitar protocolo aprovado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) que contraindica o uso do “kit Covid”, ou tratamento precoce, em pacientes em regime ambulatorial, ou seja, que não estão internados. 

Na nota técnica, o secretário faz diversas críticas ao protocolo aprovado pela Conitec. Uma delas é que teria havido uma “assimetria no rigor científico dedicado a diferentes tecnologias”. Para ele, “a hidroxicloroquina sofreu avaliação mais rigorosa do que aquela feita com tecnologias diferentes”. 

Angotti Neto expõe um quadro que compara vacinas com a hidroxicloroquina e outras opções de tratamento: ventilação não invasiva, manobra de prona (deixar a pessoa de bruços) e anticorpos monoclonais. Para cada tecnologia, há cinco perguntas, sobre efetividade, segurança, financiamento pela indústria, custo e apoio de sociedades médicas.

‘NÃO DISCUTIMOS VACINA’

A vacina aparece como sem efetividade e segurança comprovadas, com alto custo e financiada pela indústria. No caso da hidroxicloroquina, as respostas são todas inversas. 

Segundo o secretário, a avaliação sobre os imunizantes é baseada em “dezoito ensaios não finalizados, dos quais oito ainda em fase de recrutamento, nove ainda não finalizaram o seguimento, e um finalizado, mas ainda em fase insuficiente para a avaliação de segurança”.

Já a posição sobre a hidroxicloroquina vem de “treze estudos controlados e randomizados com direções de efeito favoráveis à hidroxicloroquina, com efeito médio de redução de risco relativo de 26% nas hospitalizações (Figura 1), altamente promissor para o uso discricionário e prosseguimento dos estudos”. 

Entretanto, além das vacinas já terem efetividade comprovada, o pneumologista Carlos Carvalho, professor da Universidade de São Paulo (USP) que coordenou os trabalhos do grupo que elaborou o parecer criticado pelo secretário, afirmou que eles não trataram de imunizantes, pois o Ministério da Saúde não solicitou essa avaliação. Por isso, ele diz que a comparação não faz sentido.

— Em nenhum momento nós discutimos qualquer ponto relacionado em vacina, que não foi alvo do pedido do Ministério da Saúde — afirma Carvalho. — Ele (ministro Marcelo Queiroga) pediu parecer nas coisas que havia dúvida, não nas coisas que havia certeza. Para o professor, Angotti Neto tenta mais confundir do que esclarecer.

—Ele está usando de argumentos simplesmente para embolar o meio de campo, para trazer confusão para uma situação que é simples. O Ministério da Saúde pediu para um grupo de especialistas fazer uma diretriz. Ou o Ministério da Saúde concorda com a diretriz e publica, ou o ministério discorda e não publica. 

O grupo de especialistas está agora elaborando um recurso contra a decisão de Angotti Neto, que pode ser apresentado em até dez dias. A expectativa de Carvalho é que ele fique pronto até quarta-feira.

CRÍTICAS À METODOLOGIA

Além disso, Carvalho critica a metodologia adotada de comparar tratamentos diferentes:

—Você não pode comparar duas formas diferentes, porque o tipo de estudo é diferente, eu não consigo fazer da mesma maneira. Eu não consigo, por exemplo, fazer uma manobra de prona placebo. São estudos com uma formulação diferente.