Valor Econômico, 14/05/2020, Brasil, p. A6

Número 2 na PF confirma que houve investigação sobre Flávio

I
sadora Peron
Luísa Martins


Nomeado como número dois da Polícia Federal (PF) ontem, o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa prestou depoimento na sede da PF em Brasília e afirmou que teve conhecimento de uma investigação envolvendo o nome do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, na Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro. A confirmação da existência dessa investigação contra Flávio contradiz declarações recentes de Bolsonaro, que tem dito que “a Polícia Federal nunca investigou ninguém da sua família”.

“Perguntado se tem conhecimento de investigações sobre familiares do presidente nos anos de 2019 e 2020 na SR/PF/RJ disse que tem conhecimento de uma investigação no âmbito eleitoral cujo inquérito já foi relatado, não tendo havido indiciamento”, diz a transcrição do depoimento.

O depoimento aconteceu no âmbito do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a acusação do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro trocou o comando da PF para poder interferir em investigações e blindar familiares.

O inquérito aberto no âmbito da Justiça Eleitoral investigava se o primogênito de Bolsonaro cometeu o crime de lavagem de dinheiro ao declarar seus bens nas eleições de 2014, 2016 e 2018. Segundo reportagem do jornal "O Globo", a PF pediu arquivamento do processo em março, sem nem solicitar quebras de sigilo dos investigados.

Em seu depoimento, Carlos Henrique também afirmou que, embora tenha sido convidado para ser superintendente no Rio em agosto do ano passado, só foi nomeado em novembro, porque Bolsonaro queria emplacar outra pessoa para o cargo. “Houve uma demora na nomeação do depoente para esse cargo pois na época houve uma manifestação pública do presidente Jair Bolsonaro, noticiada na imprensa, no sentido que ele, o presidente, desejava que outro delegado assumisse o cargo de superintendente no Rio de Janeiro”, afirma.

Ele, no entanto, negou que tenha havido pedidos do presidente a respeito de investigações em andamento enquanto comandou a PF no Rio.

Já o delegado Alexandre Saraiva confirmou ontem, também ao prestar depoimento, que era o nome preferido de Bolsonaro para assumir o comando da PF no Rio e disse que chegou a ser convidado para assumir o cargo. Segundo ele, no início do segundo semestre, o então diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, ligou para perguntar se ele aceitaria assumir a superintendência fluminense.

Ramagem é um personagem central nessa história. Ele chegou a ser nomeado por Bolsonaro para substituir Maurício Valeixo no comando da PF, mas o ato foi barrado pelo STF.

Saraiva também relatou que, em um encontro com o então ministro da Justiça foi indagado sobre o convite. “Saraiva, que história é essa de você no Rio de Janeiro”, teria dito Moro. Questionado se, nas conversas com Ramagem, foi relatada a ele alguma preocupação de Bolsonaro em relação à produtividade da Superintendência do Rio, ele disse que não, mas apontou que todos sabem que “a produtividade daquela unidade, na realidade, ‘não é lá essas coisas’”.

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) também foi ouvida ontem. Ela disse que foi orientada por outros ministros a tentar convencer Moro a permanecer no cargo, por isso enviou a mensagem, sem conhecimento do presidente, falando que ele poderia ser indicado para uma vaga para o Supremo caso aceitasse as trocas na PF.

Em outra frente da investigação, a defesa de Moro entrou com um pedido no STF para que o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril seja divulgado na íntegra. O procurador-geral da República, Augusto Aras, vai se manifestar sobre o caso até amanhã, mas a sua posição deve ser de que apenas as partes da gravação que tenham a ver com o inquérito sejam tornadas pública. A decisão cabe ao ministro Celso de Mello.