O Estado de S. Paulo, n. 47972, 19/02/2025. Economia & Negócios, p. B1

Lula adia exigência de maior uso de biodiesel por temer impacto na inflação

Mariana Carneiro
Isadora Duarte

 

 

Mistura de biodiesel ao diesel iria aumentar em 1.º de março, mas governo viu risco de alta nos combustíveis e alimentos.

Partiu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a decisão de manter a atual mistura de biodiesel ao diesel em 14%, sacramentada ontem na primeira reunião do ano do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), do qual fazem parte 17 ministérios. Ainda na véspera, Lula procurou os ministros Carlos Fávaro (Agricultura) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) para dizer que o momento não era o adequado para elevar a mistura a 15% em razão da inflação. O anúncio decepcionou produtores do combustível renovável e de óleo de soja.

Em reunião preparatória na semana passada, na Casa Civil, técnicos da Fazenda alertaram para o impacto do aumento do óleo de soja (principal matéria prima do biodiesel) e também do etanol nos combustíveis e nos alimentos. No ano passado, o óleo de soja subiu quase 30% e o etanol, 18% – basicamente feito da cana-de-açúcar, ele também vem sendo fabricado a partir do milho.

No fim de 2023, o mesmo CNPE havia definido para março de 2024 a mistura de 14% de biodiesel ao diesel (B14), com a previsão de chegar a 15% (B15) agora no dia 1.º de março. Além da redução da emissão de dióxido de carbono na atmosfera, foi citada à época a redução da importação do combustível fóssil.

Fávaro e Paulo Teixeira, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, conseguiram poupar o etanol, mas o biodiesel ficou na berlinda. Segundo relatos obtidos pelo Estadão, os números mostravam que o aumento da mistura de 14% para 15% iria, inegavelmente, produzir um aumento nas bombas.

Nas contas do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), o aumento seria de R$ 0,02, num terceiro reajuste seguido do combustível – o primeiro devido ao aumento feito pela Petrobras, em fevereiro, e o segundo como resultado da alteração do ICMS, tributo de competência dos Estados.

Além disso, a Fazenda mencionou o potencial aumento das fraudes na mistura do biodiesel, o que levaria à competição desigual entre as distribuidoras que seguem a lei e as que estão se desviando sem o controle da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Ministros afirmam, porém, que a preocupação maior neste momento é a inflação. As pesquisas de avaliação do governo mostram um descontentamento das classes de menor renda com a administração de Lula, o que vem sendo atribuído aos aumentos de preços. Na segunda-feira, o presidente chegou a culpar distribuidoras e postos de combustível pelo salto de preços nas bombas, o que foi rebatido pelo setor ( mais informações na pág. B2).

RACHA. A resolução do Palácio não esconde, no entanto, a divisão que o assunto provocou no governo. Esse foi um dos motivos que levaram Fávaro a não comparecer à reunião de ontem do CNPE; ele acabou

Ontem, Marina Silva (Meio Ambiente) e Alexandre Silveira, adversários quando o assunto é a exploração de petróleo na Margem Equatorial, defenderam o biodiesel – Silveira, de maneira “moderada”, segundo a descrição de um dos participantes. O vice-presidente Geraldo Alckmin também ficou a favor da mistura a 15%.

No lado oposto, Casa Civil, Fazenda e Desenvolvimento Agrário foram firmes na maior preocupação com a inflação – não só a dos combustíveis,  sendo representado pelo secretário executivo adjunto da pasta, Cleber Oliveira Soares. Procurada, a assessoria do Ministério da Agricultura não se manifestou.

Na véspera, Fávaro tentou apresentar a Lula dados que mostravam que o preço do óleo de soja tende a cair, mas foi enquadrado pelo presidente e pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, numa reunião interrompida mais de uma vez por telefonemas da primeira - dama, Rosângela da Silva.

mas também a dos alimentos.

O silêncio da Agricultura fez com que produtores fossem em peso ao encontro de Fávaro após a reunião do CNPE, onde conseguiram tirar dele o compromisso de que voltará a tentar retomar a discussão no governo em dois meses, além de agendar uma reunião do setor de biodiesel com o próprio Lula. Os empresários querem provar que, com o dólar mais baixo neste ano e a entrada da safra da soja, o preço do óleo deve cair.

O embate que divide o governo divide também o setor produtivo. Na segunda-feira, Lula esteve com representantes do setor de petróleo e da Petrobras em Angra dos Reis (RJ). A indústria do combustível fóssil vem advogando pelo seu próprio “combustível verde”, chamado de coprocessado, porque a mistura é feita durante o refino do diesel.

A Petrobras tem um coprocessado com 5% de adição de biodiesel, mas foi alijada das metas do projeto do Combustível do Futuro, sancionado por Lula no ano passado e que prevê a ampliação até o fim da década dos percentuais de combustíveis renováveis.

REAÇÃO. Em nota, a Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio) criticou a decisão do CNPE. “A decisão é equivocada e contradiz o posicionamento do governo federal, autor da Lei do Combustível do Futuro – aprovada por unanimidade pelo Congresso e sancionada com festa em ato com a presença do presidente da República e representantes de todas as pastas”, diz trecho da nota, assinada pelo deputado federal Alceu Moreira (MDBRS), presidente do colegiado. “A medida coloca em dúvida o real compromisso do Executivo com a agenda verde e a transição energética.” •