O Estado de S. Paulo, n. 47975, 22/02/2025. Política, p. A8
Moraes retoma embate com plataformas e suspende Rumble
Rayssa Motta
Karina Ferreira
Juliano Galisi
Mateus Cerqueira
Lavínia Kaucz
Adriana Victorino
O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos virou o pivô de um novo embate entre o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tri bunal Federal (STF), e plataformas digitais. Ontem, Moraes determinou a suspensão no Brasil da plataforma de vídeos Rumble. A decisão ocorre após o magistrado ordenar que a empresa indicasse representantes legais no País. O bloqueio é por tempo indeterminado, até o cumprimento da ordem judicial e o pagamento de multas. O STF já definiu que plataformas estrangeiras precisam constituir representantes no Brasil para receber intimações e responder pelas empresas.
Em um despacho duro, o ministro afirmou que a plataforma incorreu em “reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros”.
Na última quinta-feira, Moraes já havia determinado que o X (antigo Twitter), do bilionário Elon Musk, pague uma multa de R$ 8,1 milhões por se negar a fornecer os dados de uma conta de Allan dos Santos, que reside nos EUA e é considerado foragido pela Justiça brasileira desde 2021.
As determinações judiciais envolvendo o blogueiro motivaram o Rumble a mover contra o ministro do Supremo um processo na Justiça americana. A plataforma ajuizou, em conjunto com a empresa Trump Media, ligada ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, um processo em um tribunal federal, em Tampa, na Flórida. As autoras do pedido alegam que Moraes violou a soberania americana ao ordenar a suspensão do perfil de Allan dos Santos.
No Brasil, a Rumble não cumpriu uma ordem de bloqueio da conta do blogueiro, e Moraes tinha dado 48 horas para que a empresa indicasse um representante legal no País.
MONETIZAÇÃO. Além de exigir a indicação de um representante legal e determinar o bloqueio do canal de Allan dos Santos, Moraes havia ordenado a interrupção de repasses de monetização ao influenciador. Também ordenou que novos perfis do influenciador fossem barrados. Outras redes sociais, como YouTube, Facebook, Twitter e Instagram, foram notificadas para bloquear as contas do blogueiro e cumpriram as decisões de Moraes.
O STF não conseguiu intimar o Rumble porque a empresa não tem um responsável no Brasil. Os advogados localizados informaram que não são representantes legais da plataforma e que não têm poderes para receber citações ou intimações. No dia 17 de fevereiro, eles renunciaram ao mandato que tinham para atuar em causas da plataforma.
A Rumble voltou a funcionar no Brasil em fevereiro deste ano. A plataforma, que estabelece uma política menos restrita de moderação de conteúdo, foi desativada no Brasil em dezembro de 2023 por discordar das exigências da Justiça brasileira. Ela é conhecida por abrigar personalidades e usuários conservadores e de direita.
Em seu despacho, Moraes criticou a “instrumentalização das redes sociais, inclusive da Rumble Inc., para divulgação de diversos discursos de ódio, atentados à democracia e incitação ao desrespeito ao Poder Judiciário nacional”.
O CEO do Rumble, Chris Pavlovski, costuma publicar mensagens nas quais faz provocações ao magistrado brasileiro. “Chris Pavlovski ( CEO do Rumble) confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos”, escreveu Moraes no seu despacho.
Em 30 de agosto do ano passado, o ministro mandou suspender as operações do X no Brasil. Ele e Musk vinham travando um embate público desde o mês de abril. Moraes incluiu o bilionário no inquérito das milícias digitais por “dolosa instrumentalização” do antigo Twitter, enquanto Musk alegava que não cumpriria “ordens ilegais” da Justiça do Brasil e acusava o ministro de ser um “ditador” por “cercear” a liberdade de expressão dos usuários do X.
Musk se queixou das decisões expedidas pela Justiça do Brasil, embora tivesse acatado decisões similares de países como Índia e Turquia. No fim, a empresa se adequou às exigências do Supremo – o plenário da Corte havia confirmado a decisão de Moraes –, atendendo a determinações como a suspensão de perfis (incluindo contas de Allan dos Santos) e fornecendo representação legal no País.
DESATIVADA. A rede social foi autorizada a retomar suas operações no Brasil em outubro. Ontem, Moraes desativou seu perfil no X. A informação foi confirmada pela assessoria do Supremo, que disse que o ministro já não utilizava a conta desde janeiro do ano passado.
Pavlovski, aproveitou para provocar o ministro do Supremo. Em uma publicação no X, o CEO da Rumble sugeriu que Moraes desativou sua conta na rede logo após a plataforma mover uma ação contra ele nos Estados Unidos. “É impressão minha ou o ministro do Supremo Tribunal do Brasil, Alexandre de Moraes, removeu sua conta no X depois que a Rumble entrou com um processo nos EUA? Não consigo mais acessá-la”, escreveu Pavlovski na rede de Musk.
O X acumula R$ 36,7 milhões em multas pelo descumprimento de ordens judiciais expedidas pela Justiça do Brasil.
A criação de limites legais para a operação das redes sociais é uma das bandeiras do ministro. O que chama de fenômeno do “populismo digital” foi tema da tese apresentada por ele como requisito para assumir a cadeira de professor titular na Faculdade de Direito da USP. Moraes conserva a posição de que as plataformas são lenientes com discursos de ódio e, em alguns casos, com conteúdos ilegais porque essas publicações geram engajamento e, por consequência, mais lucro. As empresas, por sua vez, consideram exageradas as decisões que ordenam a remoção de perfis.
Também por se recusar a nomear representantes legais no País e cumprir decisões do STF, Moraes já mandou tirar do ar o Telegram. •