Título: O Brasil entre a voz e o voto
Autor: Tahan, Ana Maria
Fonte: Jornal do Brasil, 20/05/2008, País, p. A2

VALE A PENA LER A ENTREVISTA do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reproduzida no blog do jornalista Ricardo Kotscho, no . Ao contrário do que defendem alguns, entre eles o presidente Lula, é sempre bom saber o que pensam os ex-comandantes da nação. Se efetivamente pensassem que os antecessores deveriam calar-se, o atual chefe da nação certamente não ouviria tanto o ex José Sarney, não é? Para não confundir mais o leitor, voltemos à tal entrevista. Ao longo da conversa, FHC manifesta a certeza de que ¿numa democracia a palavra política que vale é de quem tem voto¿. E está tão certo da tese que confessa ser ouvido apenas nos círculos de opinião, mas não pelo povo, porque a este último só importa o que pensa quem concorre a algum cargo político. Por isso, o ex-presidente tucano faz a cobrança: aqueles que planejam atrair eleitores ¿têm obrigação de marcar posição¿. Política não é racional, afirma FHC ao discorrer sobre a insistência de Geraldo Alckmin em concorrer à prefeitura paulistana, na contramão do que o próprio ex-presidente considerava o melhor e do que deseja o governador José Serra. Não é mesmo racional, nem lógica. Basta seguir o vaivém da corrida às prefeituras em quase todas as grandes cidades. São Paulo abre a relação. Alckmin quer marcar posição, manter o eleitorado cativo, atrair um novo, retomar espaço na mídia e na boca dos moradores da maior cidade da América Latina. É um passo, ele sabe, para vôos mais altos em 2010, no mínimo um eventual retorno ao Palácio dos Bandeirantes. Vai disputar com Gilberto Kassab, atual prefeito, aliado dos tucanos, que herdou um gabinete tucano e tem secretários tucanos, um programa de governo tucano, alianças tucanas e a lealdade de José Serra. Mais, Kassab, esperto e rápido no gatilho, fechou o apoio do PMDB de Orestes Quércia, do PR e do PV. A Alckmin sobrou o PTB. Do outro lado do espectro, situa-se Marta Suplicy, eventual e quase única candidata do PT. Vai sozinha para o páreo, talvez com o PDT enroscado no BNDES do deputado Paulo Pereira da Silva e do ministro Carlos Lupi. Os tradicionais parceiros PCdo B e PSB preferem caminhar uma trilha própria, de braço dado com Aldo Rebello. Paulo Maluf segue o rumo de sempre e entra só para comunicar que ainda está vivo e, talvez, descobrir-se semimorto (politicamente, é claro). Em Porto Alegre, a temporada é das mulheres. Maria do Rosário (PT), Manuela D¿Ávila (PCdoB), Luciana Genro (PSOL) mordiscam fatias expressivas de um eleitorado com gene político e infernizam a vida do atual prefeito, José Fogaça (ex-PSB, agora PMDB) e Ônix Lorenzoni (DEM). Cada um na sua, ninguém na dos tucanos, que cercam a governadora Yeda Crusius, e nem aí para o PDT que se espelhava em Leonel Brizola e teve sua época na história gaúcha. No Rio, o senador Marcelo Crivella sobe nos palanques de Lula, mas se vê perseguido pelos índices de Jandira Feghali (PCdoB) e Fernando Gabeira (PV). Ainda tenta atrair simpatizantes da deputada Solange Amaral (DEM), evitar os ataques dos católicos e conquistar a Zona Sul. De quebra, Alessandro Molon (PT) avança por fora com o compromisso de ajuda (ainda não validado na prática) do governador Sérgio Cabral e do presidente Lula. E não se pode esquecer do deputado Chico Alencar (PSOL). Afinal, a ex-senadora Heloísa Helena recebeu 17% dos votos cariocas no primeiro turno da última eleição presidencial. Quem vencerá nas três capitais citadas? De volta à tese de FHC, aquele ou aquela que melhor marcar posição. Que convencer mais. Que personificar de forma eficaz os anseios da massa que irá às urnas em um ou dois turnos. Difícil avançar prognósticos quando as coligações ainda não foram formalizadas, os concorrentes nem passaram pelas convenções partidárias e não disseram a que vieram. De certo é que a atual disputa municipal revela que os partidos já não são mais os mesmos. Os aliados de ontem se transformaram nos adversários de hoje. O que não impede que retomem o antigo convívio depois. De qualquer forma, será um teste para 2010. A extensa e nada ideológica aliança em torno do presidente Lula só se manterá (com ele mesmo, caso a tese do terceiro mandato recupere terreno, ou com seu preferido) caso continue a marcar posição tão bem quanto tem feito nos palanques dos PACs. Afinal, Lula se considera candidato, indiretamente, a passar, com desenvoltura, pelo julgamento das urnas de outubro. Isso a acreditar-se que a corrida às urnas nas cidades funcionará como um plebiscito do seu governo. Há quem ache que A nada tem a ver com B.