O GLOBO, n 32.312, 24/01/2022. Economia, p. 12

Turbulências de 2022 não inviabilizam ganhos na B3

Naiara Bertão


Analistas mantêm perspectivas positivas para a Bolsa neste ano, mesmo com crise fiscal, tensão política e incertezas globais

Olhar pelo retrovisor e observar a perda de 12% registrada pelo Ibovespa, o da Bolsa brasileira, a B3, em 2021 pode não animar muitos investidores em 2022. Mas projeções de analistas apontam a probabilidade maior de um ano positivo, a despeito da expectativa de que a economia fique praticamente estagnada e das incertezas, tanto aqui como no exterior. Exatamente esses riscos é que devem definir quais empresas e setores devem ser os vencedores ou perdedores na Bolsa.

Depois de fechar o ano na casa de 105 mil pontos, o Ibovespa encerrou a sexta-feira mais próximo de 110 mil, e o entendimento é que os fundamentos das empresas teriam condições de levá-lo ainda mais para cima até o fim do ano. O Santander, por exemplo, projeta que o índice chegue a 125 mil pontos no fim deste ano, o que equivaleria a 19% de retorno em um ano completo.

—Reconhecemos que 2022 será turbulento e volátil, por ser ano eleitoral. Além disso, o ciclo de lucro das empresas da Bolsa tende a se normalizar. Isso significa que as empresas de commodities, como minério de ferro e petróleo, que puxaram 2021, podem ter desempenho menor com a normalização do ciclo. Acreditamos em queda de 11% na média de lucro das empresas em relação ao ano passado —explica o estrategista de ações da Santander Corretora, Ricardo Peretti.

‘PAPÉIS BARATOS’

Mesmo assim, ele diz que o valor de mercado da Bolsa brasileira está baixo em termos históricos e parece “atrativo demais para ser ignorado”. A tese é que parte dos eventos negativos, como PEC dos Precatórios, preocupação fiscal e inflação, já está embutida nos preços das ações:

—Dada a pontuação da Bolsa hoje, a relação entre o valor de mercado e o lucro previsto para os próximos 12 meses está em 7,8 vezes, abaixo da média histórica de 11,5. É esperado que esse indicador fique abaixo da média histórica pela situação atual, mas faria sentido que estivesse em torno de 9,5 vezes. Ou seja, está barata demais para ser ignorada.

André Carvalho, chefe da área de pesquisas econômicas do Bradesco BBI, conta que a casa acredita em um Ibovespa próximo a 130 mil pontos em 2022, o que representaria um retorno de 24% em relação ao fechamento da virada do ano:

—Mas essa perspectiva está muito dependente do desfecho das eleições em outubro.

Segundo Carvalho, a preocupação do mercado financeiro e dos investidores é menor com os candidatos ao Planalto em si do que com a política econômica que o futuro presidente vai implementar.

— A pergunta-chave é se o ajuste fiscal vai continuar ou não —diz. —Se a resposta for que vai continuar o ajuste em 2022 e depois das eleições, podemos ter a Bolsa voando.

Cálculos do Bradesco BBI apontam um cenário mais positivo. No jargão, eles dizem que as probabilidades são assimétricas com viés positivo para a Bolsa em uma proporção de 4 para 1. Traduzindo: se tudo der errado, o investidor perderia 1. Se der certo, ganha 4.

— É uma proporção muito grande para ser ignorada e reflete o valuation(somado valor de mercado das empresas) da Bolsa, que está muito barato — explica Carvalho. — Será que vai continuar barato por muito tempo, e é melhor aplicarem juros mesmo, ou haverá um catalizador que vai fazer subir bastante? O principal  catalizador que vejo é o desfecho eleitoral, e (o mercado está) menos preocupado com o nome, e mais com a política econômica pós-eleições.

Mas é preciso ter em mente que, por trás dos termos “Bolsa” e “Ibovespa”, há dezenas de empresas, de setores econômicos distintos e com desempenhos operacionais possivelmente discrepantes. E é por isso que o comportamento das ações dessas companhias deve ser visto caso a caso. As empresas com exposição a commodities, por exemplo, têm uma tendência de alta em 2022 pela demanda advinda da retomada da atividade econômica global, diz Rafael Panonko, analista chefe da Toro Investimentos.Ele recomenda observar a dupla Vale e Petrobras:

—A Vale tem gestão operacional muito boa e diferenciais em seu produto, o minério de ferro. Seu principal cliente é a China, que cresce em ritmo mais acelerado que outros países. Além disso, está sempre reportando bons resultados e pagando bons dividendos. Ou seja, no médio e longo prazo,é uma ação para ter na carteira.

AGRO TEM POTENCIAL MENOR

No caso da Petrobras, ele diz que o risco de intervenção do governo para mudar a política de preços já está no preço.

—A empresa hoje é diferente do que foi no passado, é mais eficiente, tem margens de lucro maiores, pagou um valor alto de dividendos em 2021 e negocia com desconto em relação a seus pares internacionais—reforça Panonko.

Para Jennie Li, estrategista da XP, é preciso, porém, subdividir o setor exportador:

—O agronegócio, por exemplo, tem potencial menor de alta. Teve bons resultados em 2021, mas, nas conversas com analistas, percebemos que os números podem não se sustentar este ano. Não chegará a ir mal, mas talvez sua performance seja um pouco menor do que outras commodities ,como minérios e metálicas.

Já para Victor Natal, estrategista de ações para pessoas físicas do Itaú BBA, a estratégia mais acertada este ano será apostar nas chamadas “empresas de valor”, resilientes aos solavancos da economia doméstica e menos sensíveis à variação das taxas de juros de longo prazo, dado que já geram caixa no presente.

— As “empresas de valor”, que mostram fluxo de caixa, devem ir melhores neste cenário do que as “empresas de crescimento”. Isso porque elas não dependem de uma tese de crescimento para, no futuro, gerar caixa —explica Natal.

Outro indicador a ser observado, diz, é o chamado “beta”, que mede a correlação histórica da variação da ação com o Ibovespa. Por exemplo, se no dia em que o Ibovespa sobe 1% determinada ação quase sempre sobe mais, ela tem um “beta” mais arriscado, já que no movimento de baixa o comportamento será semelhante. Já se quando o Ibovespa avança 1% ela sobe menos, o “beta” é inferior a 1, e a empresa é mais defensiva.

ANO DIFÍCIL PARA O VAREJO

Como empresas com “betas” mais baixos, Natal cita as do setor de papel e celulose, que é exportador e defensivo, e as de proteína animal, além das fornecedoras de energia, saneamento e telefonia. Jennie Li, da XP, lembra que as empresas voltadas essencialmente para o consumo doméstico devem patinar:

— O cenário é cauteloso para empresas associadas mais ao risco Brasil, o que as ações de varejo já vêm refletindo. Empresas de consumo, de forma geral, terão o ano mais difícil dado o que está acontecendo na macroeconomia, com inflação acima de 10% e juros em alta.