Correio Braziliense, n. 22617, 18/02/2025. Política, p. 2
Bolsonaro liderou organização golpista
Luana Patriolino
Renato Souza
Em um documento de 270 páginas, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, denunciou, ontem, o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Segundo o órgão, o ex-chefe do Planalto liderou a organização criminosa para se manter no poder e impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
A denúncia, encaminhada ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), destaca, inclusive, um plano de assassinato de autoridades e o apoio aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 como a última cartada do grupo criminoso.
De acordo com o PGR, os denunciados “integraram, de maneira livre, consciente e voluntária, uma organização criminosa constituída desde pelo menos o dia 29 de junho de 2021 e operando até o dia 8 de janeiro de 2023”. “Essa organização utilizou violência e grave ameaça com o objetivo de impedir o regular funcionamento dos Poderes da República”, frisou.
Conforme a denúncia, a organização criminosa tinha como líderes Bolsonaro e o seu candidato a vice-presidente na chapa eleitoral de 2022, o general Braga Netto. “Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito Democrático”, destacou.
De acordo com Gonet, Bolsonaro sabia do plano para matar Lula e concordou. Os investigados também pretendiam assassinar o vice Geraldo Alckmin e o próprio ministro Alexandre de Moraes.
“As investigações revelaram aterradora operação de execução do golpe, em que se admitia até mesmo a morte do presidente da República e do vice-presidente da República eleitos, bem como a de ministro do Supremo Tribunal Federal”, ressaltou.
Além de Bolsonaro e Braga Netto, foram denunciados o ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid; o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos; e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atual deputado federal, Alexandre Ramagem, entre outros. Os fatos foram divididos em cinco peças acusatórias.
“Jair Messias Bolsonaro, junto com Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Augusto Torres, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Netto, integrantes do alto escalão do governo federal e das Forças Armadas, formaram o núcleo crucial da organização criminosa, mesmo tenha havido adesão em momento distinto”, enfatizou.
Todos são acusados de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
Se for condenado, Bolsonaro pode pegar mais de 28 anos de prisão.
A denúncia ocorre após análise do relatório da Polícia Federal entregue a Gonet no fim do ano passado. Durante a investigação, agentes recuperaram arquivos deletados no computador de Mauro Cid, com detalhes sobre o plano “Punhal Verde e Amarelo”. Gonet destacou que o grupo investigado fez uma espécie de “tocaia” para os alvos e reiterou que Bolsonaro sabia e concordou com o plano para matar Lula.
“Os membros da organização criminosa estruturaram, no âmbito do Palácio do Planalto, plano de ataque às instituições, com vistas à derrocada do sistema de funcionamento dos Poderes e da ordem democrática, que recebeu o sinistro nome de ‘Punhal Verde Amarelo’”, ressaltou. “O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do presidente da República, que a ele anuiu, ao tempo em que era divulgado relatório em que o Ministério da Defesa se via na contingência de reconhecer a inexistência de detecção de fraude nas eleições.” As denúncias serão analisadas por Moraes. Caso sejam aceitas, os réus responderão a uma ação penal.
Segundo Gonet, há provas de que Bolsonaro participou diretamente da elaboração da minuta golpista, encontrada na casa de Torres, e de que o decreto foi apresentado aos comandantes militares em uma tentativa de garantir apoio para o plano.
Em nota, a defesa de Bolsonaro disse ter recebido a denúncia “com estarrecimento e indignação”. “O presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”, ressaltou.
A defesa também criticou a delação de Cid. “Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa”, frisou.
“O presidente Jair Bolsonaro confia na Justiça e, portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá por sua precariedade, incoerência e ausência de fatos verídicos que a sustentem perante o Judiciário.”
Os próximos passos
» Após receber a denúncia, o relator, ministro Alexandre de Moraes, abre prazo de 15 dias para os advogados dos denunciados apresentarem defesa prévia e eventuais contestações.
» Se houver contestações a trechos da denúncia, o relator abre vista à PGR responder os questionamentos.
» A PGR tem o prazo de cinco dias para responder às contestações.
» A denúncia volta ao STF, e o relator avalia a acusação e os argumentos da defesa — não há prazo para essa análise.
» Quando o caso está apto a julgamento, o relator libera a denúncia para análise da 1ª Turma, que vai julgar o caso e decidir se transforma os denunciados em réus.
» Se a denúncia for aceita, é aberta uma ação penal e começa a fase de contraditório, coleta de provas e de depoimentos de testemunhas de defesa e acusação.