Correio Braziliense, n. 22619, 20/02/2025. Política, p. 5

Compromisso contra xenofobia
Mayara Souto
Victor Correia


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, assumiram, ontem, uma posição conjunta no combate ao racismo e à xenofobia contra os brasileiros em Portugal. O tema foi um dos principais da 14ª Cimeira Luso -Brasileira, que reuniu ministros dos dois países no Palácio do Planalto, e que firmou a assinatura de 19 acordos de cooperação.

O aumento nos casos de agressões a brasileiros em Portugal preocupa o governo federal, que insistiu que o tema fosse tratado na declaração final — na qual os dois países se comprometeram a atuar em conjunto contra o preconceito. “Mantivemos uma conversa muito franca sobre como melhorar a vida de nossas comunidades expatriadas.

Nesses 200 anos (de relação diplomática), muitos portugueses vieram estabelecer-se e criar raízes em nosso país, assim como muitos brasileiros mudaram-se para Portugal e ali constituíram laços”, disse Lula, ao lado de Montenegro.

“Afirmei ao primeiro-ministro que precisamos desconstruir a narrativa que associa a migração brasileira ao aumento da criminalidade em Portugal. Sabemos bem que não há espaço para racismo e xenofobia entre nós”, acrescentou o presidente.

Segundo a declaração conjunta, “Brasil e Portugal reconheceram a conexão e a complementaridade da luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e formas conexas de intolerância, com a construção de longo prazo de uma sociedade democrática, não discriminatória e multicultural, baseada no reconhecimento, respeito e promoção da diversidade cultural, étnica e religiosa”.

A posição conjunta também se compromete com a criação de novas iniciativas de cooperação, segundo memorando firmado, em 2024, entre o Ministério da Igualdade Racial e o Observatório do Racismo e da Xenofobia, de Portugal.

Questionado sobre os casos de discriminação contra brasileiros em seu país, Montenegro disse que os episódios são isolados.

Garantiu, ainda, que não refletem a visão da sociedade portuguesa sobre os brasileiros.

“Não posso garantir, tenho que ser completamente honesto, que não possa existir, episodicamente, um acontecimento, alguma reação, alguma manifestação de racismo, de xenofobia, algum comportamento desviante no meu país.

Acho que ninguém pode fazer o mesmo em uma circunstância igual à minha”, disse Montenegro.

O premiê frisou que seu governo tem “tolerância zero” com comportamentos discriminatórios, que atua na repressão a tais atos e na proteção das comunidades vulneráveis. “Quero dizer que os portugueses, em sua esmagadora maioria — esmagadora mesmo —, não têm nenhuma tendência para fenômenos de xenofobia. Nenhuma mesmo”, enfatizou.

Giovanna e Bruno

Um dos casos que ganhou maior repercussão foi o do casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, cujos filhos foram alvos de racismo pela portuguesa Adélia Barros, em um restaurante no Clássico Beach Club, na Costa da Caparica. O episódio ocorreu em julho de 2022, quando a mulher mandou dois dos três filhos da atriz e do ator “voltarem para África”. Ela disse ainda que “Portugal não é terra para eles”.

O caso foi concluído na terça-feira, quando a Justiça portuguesa condenou Adélia a pagar uma indenização equivalente a R$ 83 mil a Giovanna e Bruno, além de fazer doação de R$ 15 mil a uma organização com projetos antirracistas.

Entre 2019 e 2023, houve um aumento de quase quatro vezes no número de inquéritos abertos pelo Ministério Público de Portugal por discriminação a brasileiros — saltou de 73 para 262.

Expressão pejorativa

Para menosprezar os brasileiros, os portugueses os chamam pejorativamente de “zucas”, uma redução de “brasuca” — gíria que derivou de um personagem do humorista Chico Anysio, que representava um trabalhador pobre e não tinha emprego fixo.