O GLOBO, n 32.313, 25/01/2022. Economia, p. 11
MENOS PARA O SOCIAL
Daniel Gullino, Gabriel Shinohara e Fernanda Trisotto
Bolsonaro corta de aposentado e estudante, mas mantém verba de políticos
O presidente Jair Bolsonaro concentrou os cortes no Orçamento da União nos Ministério do Trabalho e Educação, principalmente no atendimento a aposentados e estudantes. Mas decidiu manter as verbas do fundo eleitoral e as emendas de relator, o chamado orçamento secreto no qual não é especificado o destino do dinheiro público, e as que permitem algum reajuste de servidores, que ele quer direcionar a policiais federais, uma de suas principais bases de apoio.
No total, os vetos presidenciais somaram R$ 3,184 bilhões, sendo 54,8% apenas na áreas de Educação e Trabalho, com forte impacto no INSS, que tem uma fila de 1,8 milhão de pessoas à espera de análise de pedidos de aposentadorias, pensões e benefícios, Entre julho e novembro de 2021 apenas 6,3 mil pessoas tiveram resposta aos seus pleitos.
Desses cortes, R$ 709 milhões seriam para a administração do INSS e R$ 180 milhões para o serviço de processamento de dados dos benefícios previdenciários. É o ministério responsável por políticas de emprego, no momento em que há cerca de 13 milhões de desempregados do país. No total, o corte foi de R$ 1,005 bilhão.
ESCOLHA POLÍTICA
A professora do Insper Juliana Inhasz diz que os vetos feitos por Bolsonaro privilegiam uma escolha política. Ela cita a manutenção do fundo eleitoral e dos recursos para aumento salarial de categorias aliadas em detrimento a áreas de pesquisa e promoção de conhecimento.
— Do ponto de vista político, ele escolheu um lado, e isso é muito claro. Do ponto de vista econômico e social, tem coisas que incomodam porque ele está alocando o recurso do contribuinte em ações que não nos criam nenhum tipo de benefício —critica.
Ela diz que ações sistematicamente preteridas no Orçamento, como educação, pesquisa e tecnologia, poderiam gerar uma espiral de efeitos positivos, com ganhos de produtividade e maior inserção tecnológica. Mas avalia que as escolhas de Bolsonaro não surpreendem, uma vez que são opções reiteradas ao longo do governo.
A Educação sofreu um corte de R$ 739,9 milhões, concentrados em programas de apoio à infraestrutura da educação básica (menos R$ 379,8 milhões) e de verba para os hospitais universitários (menos R$ 100 milhões). Isso acontece no momento em que a vacinação de crianças avança e que elas começam a voltar à escola, depois de dois anos afastadas, com necessidade de reforço escolar.
Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria, também avalia que os vetos mostram que a questão eleitoral é prioridade do governo para 2022:
—É bastante compreensível, embora não seja exatamente recomendado.
Outros ministérios com trabalho voltado para o social também foram alvo de cortes de verba como o da Cidadania (menos R$ 284,3 milhões), da Saúde (R$ 74,2 milhões) e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (R$ 16,5 milhões). Os cortes atingiram programas científicos, de apoio às populações indígenas e quilombolas e ações do Meio Ambiente e de Infraestrutura.
FIOCRUZ PERDE VERBA
O CNPq perdeu R$ 9,4 milhões. A Funai foi o único órgão ligado ao Ministério da Justiça a perder recursos, na ordem de R$ 3,4 milhões. A verba seria utilizada em áreas de proteção e promoção dos direitos indígenas e na fiscalização e demarcação de terras indígenas.
Na Saúde, o veto foi de R$ 74,2 milhões, sendo que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), protagonista na luta contra a pandemia, perdeu R$ 11 milhões em pesquisa e desenvolvimento tecnológico e mais R$ 1,8 milhão em educação e formação em saúde.
Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, afirma que as escolhas são sintomáticas e abrem espaço desde já para maior pressão sobre o Orçamento de 2023:
— Fica claro o que é prioritário e o que não é. Em um momento de carestia, desemprego alto e aumento do número de pessoas vivendo em situação de pobreza, privilegiam-se o reajuste salarial e a emenda de relator-geral.
Além de reservar R$ 1,7 bilhão para reajuste do servidor, o presidente sancionou o fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões. E manteve os R$ 16,5 bilhões para emendas de relator-geral de Orçamento.
O veto de R$ 3,184 bilhões foi menor do que o solicitado pelo Ministério da Economia, que previa a necessidade de cortes de R$ 9 bilhões para compensar despesas obrigatórias, como gasto com pessoal, que foram subestimadas pelo Congresso.
Durante o fim de semana, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que o veto seria de R$2,8 bilhões e que o valor poderia ser recomposto ao longo do ano a depender da arrecadação. A decisão acabou ficando nas mãos da área política sob o comando do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.