O GLOBO, n 32.313, 25/01/2022. Brasil, p. 9
STF suspende mudanças que ameaçavam cavernas
Mariana Muniz
Ministro Ricardo Lewandowski invalida partes de decreto de Bolsonaro que permitiriam alterações irreversíveis
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu parte do decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que autoriza construções em áreas de cavernas. Em sua decisão, ao analisar uma ação da Rede Sustentabilidade, o ministro afirma que a medida adotada trazia “risco de danos irreversíveis às cavidades naturais subterrâneas”.
O decreto do dia 12 revogava a regra que protegia as cavernas classificadas com o grau de relevância máximo. A legislação dizia que tais áreas não podem sofrer impactos irreversíveis. Para especialistas, que criticaram a medida, o novo texto facilita o licenciamento de obras em regiões localizadas em territórios de proteção ambiental.
Lewandowski derrubou o artigo que permitiu a construção de empreendimentos e atividades nas cavernas e o que autorizava a destruição até das de relevância máxima. O ministro disse que o decreto “imprimiu verdadeiro retrocesso na legislação ambiental”.
“Suas disposições, a toda a evidência, ameaçam áreas naturais ainda intocadas ao suprimir a proteção até então existente, de resto, constitucionalmente assegurada”, escreveu o ministro.
Pelo decreto, as cavernas com grau de relevância máximo passariam a poder sofrer impactos negativos irreversíveis se a medida fosse autorizada pelo órgão ambiental licenciador competente, e o empreendedor deveria fazer medidas compensatórias. O texto ressalvava que não poderia haver a extinção de espécie que habita a cavidade impactada.
Outro trecho contestado abre brecha para que seja feita a exclusão de atributos de classificação e dá a possibilidade de um empreendedor pedir a revisão, “a qualquer tempo”, tanto para o nível superior quanto para o nível inferior na classificação. O decreto também permite que ministros de Minas e Energia e de Infraestrutura realizem mudanças nas classificações e definam outras formas de compensação.
O ministro lembrou na decisão que a exploração dessas áreas pode “ocasionar o desaparecimento de formações geológicas, marcadas por registros únicos de variações ambientais e constituídas ao longo de dezenas de milhares de anos”. Ele citou como exemplos “restos de animais extintos ou vestígios de ocupações pré-históricas”.
MPF É CONTRA
O Ministério Público Federal (MPF) havia se manifestado de forma contrária às alterações. A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da Procuradoria da República alertou na semana passada que a nova regulamentação poderia ocasionar “prejuízos graves à União”.
A subprocuradora-geral da República Julieta Albuquerque já pediu uma ação civil pública e a suspensão dos efeitos do decreto em ofício ao procurador-geral, Augusto Aras.
A Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros também se posicionou contra o decreto, alegando que as alterações gerarão impactos enormes e irreparáveis.
“Milhares de espécies, incluindo as criticamente ameaçadas de extinção e hiperendêmicas (com ocorrência em uma única caverna, por exemplo) estão em risco mais elevado. Os serviços de ecossistema prestados por estas cavernas como, por exemplo, o abastecimento de aquíferos e a contenção de pulsos de inundação, poderão ser gravemente comprometidos”, diz a entidade, em nota.