O Estado de S. Paulo, n. 47951, 29/01/2025. Política, p. A8
Por elo com o PCC, MP denúncia à Justiça ONG que se reuniu em ministérios de Lula
André Shalders
Marcelo Godoy
Fausto Macedo
Pepita Ortega
O Ministério Público de São Paulo apresentou nesta segunda-feira denúncia contra 12 pessoas acusadas de integrar a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Entre os denunciados estão Luciene Neves Ferreira, de 46 anos, e o marido dela, Geraldo Sales da Costa, de 55 anos. Eles eram presidente e vice, respectivamente, da ONG “Pacto Social & Carcerário de S.P”, que foi desmantelada no dia 14 de janeiro pela operação Fake Scream, da Polícia Civil de SP e do MP-SP. A denúncia é assinada pelo promotor de justiça Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
A reportagem do Estadão não conseguiu contato com os representantes da ONG. Luciene e Geraldo Sales são casados e comandam a ONG Pacto Social e Carcerário.
Na peça, Gakiya afirma que as doze pessoas denunciadas “integraram a organização criminosa armada autodenominada ‘Primeiro Comando da Capital’ – ‘PCC’, com atuação transnacional, que tem como finalidade a prática de crimes, especialmente os de tráfico de entorpecentes (...)”.
“(os denunciados) integraram a organização criminosa armada autodenominada ‘Primeiro Comando da Capital’ – ‘PCC’, com atuação transnacional”
Lincoln Gakiya
Promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco)
A lista dos denunciados por Gakiya coincide com a relação das pessoas que foram alvo da Fake Scream, deflagrada no último dia 14 de janeiro.
Como mostrou o Estadão, dirigentes da ONG estiveram em Brasília e participaram de reuniões nos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, além do Conselho Nacional de Justiça.
A denúncia é dirigida ao juiz da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Venceslau (SP). As investigações da Fake Scream começaram a partir da prisão de Ketheleen Camila Sousa Lemos, de 26 anos, em 12 de setembro de 2021, quando ela tentava entrar na Penitenciária II de Presidente Venceslau com drogas e com quatro cartões de memória com recados para a facção.
Além de Luciene e Geraldo Sales, também foram denunciados pelo MP-SP Ketheleen Camila; o então namorado dela, Ricardo Marques de Oliveira, de 42 anos, que estava preso em Presidente Venceslau e integraria o PCC; e outras dez pessoas. A reportagem procurou a defesa dos denunciados, mas não obteve resposta.
‘SIMULAÇÃO’. Segundo a denúncia, Luciene e Geraldo executaram um plano do PCC ao criar a ONG, de acordo com informações obtidas na Operação Ethos, de 2016. “Ao promover a constituição formal da ONG segundo os ditames da lei civil, os denunciados procuraram conferir aparência legítima à sua atuação. Trata-se de mera dissimulação, pois na verdade ela está diretamente vinculada à cúpula da facção, operando no setor das reivindicações”, diz um trecho da denúncia.
“Luciene e Geraldo utilizam a ONG para a realização de manifestações com o intuito de propagar falsas arbitrariedades e violações de direitos que seriam praticadas em unidades prisionais em que estão custodiados presos integrantes do PCC. Ao valer-se da ONG, procuram conferir legitimidade a tais manifestações perante a opinião pública. Na verdade, são os executores do ‘plano ONG’ traçado pela cúpula da organização criminosa”, descreve a denúncia.
“Nada obstante toda essa atuação da ONG – realização de manifestações, propositura de ações judiciais, formulação de pedidos administrativos –, a quebra de seus sigilos bancário e fiscal não apontou nenhum fluxo de ativos necessários para financiar tais atividades. Não realiza captação de recursos públicos ou privados, nem parcerias e convênios com órgãos públicos. Não possui nenhum bem registrado em seu nome, sequer um veículo. Não possuiu um único empregado desde a sua fundação”, diz outro trecho do documento.
Vários dos denunciados por Gakiya já se encontram presos no sistema carcerário paulista. Um deles é Michael Douglas Anjos, de 30 anos. Ele foi detido em São José dos Campos com armas de fogo, coletes à prova de balas e faixas para uma manifestação de familiares de presos apoiada pela ONG Pacto Social, em dezembro de 2023. Também estão presos os denunciados Luan Vitor Siqueira de Jesus, de 25 anos, que também estava com armas e materiais para o protesto; e Luís Alberto dos Santos Aguiar Júnior, de 28 anos. Ele detinha manuscritos que continham planos para a manifestação de dezembro de 2023, que incluiria ataques a autoridades.
Três advogados foram denunciados por Gakiya. Iria Rubslaine Gomes de Campos, de 53 anos, é acusada de atuar na “sintonia da Saúde” da facção criminosa, intermediando atendimentos médicos e odontológicos dos presos. No âmbito do PCC, era identificada com o codinome “Cecília”, segundo as mensagens interceptadas. Outra dessa lista é Tatiana Roberta Jesus Vieira, de 35 anos, dona do codinome “Dolores”. Atuava tanto na parte dos atendimentos médicos como na assistência jurídica dos faccionados do PCC, além de manter contato com a ONG, segundo a denúncia.
ADVOGADO. O promotor também denunciou o advogado Renan Bortoletto, que assina algumas das ações judiciais movidas pela ONG Pacto Social. Ele tentou se eleger vereador em Ribeirão Preto, pelo PP, em 2020. Foi alvo de outra operação do Gaeco e do MP eleitoral paulista, a Kleptos, de 2020, pela suspeita de que sua candidatura tenha sido financiada pelo PCC. O nome dele é relacionado como um dos profissionais da “sintonia dos gravatas” nos textos apreendidos pela Polícia Civil.
Na denúncia, Gakiya faz ainda um apanhado geral do surgimento do PCC, em 1993, e de sua organização em diversas “sintonias” especializadas, com divisão de tarefas e comando centralizado. A mais recente denúncia mira três grupos encarregados da missão de contratar profissionais que atuam dentro da lei, para a “consecução dos fins ilícitos da facção”. Esse era o papel dos setores denominados “Gravatas” – advogados formados sob incentivo e apoio do PCC –, saúde e reivindicações. Os três núcleos eram responsáveis, segundo a Promotoria, pelo “plano de saúde” de faccionados presos, manifestações supostamente “infundadas” sobre o sistema carcerário e até a “promoção de interesses” do PCC junto ao Poder Judiciário.
‘Gravatas’
De acordo com a denúncia, esse era o nome do grupo de advogados criado para defender a facção
O “Gravatas” foi descoberto pelo MP na Operação Ethos e segue sob investigação, mesmo após a prisão e condenação de integrantes do grupo. Advogados assumiram as funções e a responsabilidade de fazer a conexão com os setores da saúde, das reivindicações e o financeiro. No setor da saúde, os bacharéis faccionados cuidavam de atendimentos médicos e odontológicos para integrantes graduados do PCC presos na Penitenciária II de Presidente Venceslau e no CRP de Presidente Bernardes. Este braço do PCC “funciona como um verdadeiro plano de saúde de destacados integrantes”, diz a Promotoria. •