O GLOBO, n 32.313, 25/01/2022. Brasil, p. 8

ONDE HÁ FUMAÇA…

Melissa Duarte e Rafael Garcia


Fogo em helicóptero do Ibama levanta suspeita de vingança

O incêndio de um helicóptero usado pelo Ibama na madrugada de ontem, no Aeroclube de Manaus, levantou a suspeita de que o crime esteja relacionado à resistência do garimpo ilegal a ações de fiscalização na Amazônia. O helicóptero foi incendiado por dois homens que foram gravados pela câmera de vigilância do aeroclube saindo de um carro, pulando o muro do local e ateando fogo no aparelho.

Segundo o Ibama, os dois tentaram incendiar um outro helicóptero usado pelo instituto, que teve danos menores. O fogo foi controlado ainda durante a madrugada pelos Bombeiros.

A Polícia Federal do Amazonas informou que irá investigar o incêndio a partir da análise das imagens, que já foram enviadas pela Secretaria de Segurança do Amazonas.

O helicóptero pertencia à empresa paranaense Helisul, que vem prestando serviços para o Ibama desde 2016. O contrato com a empresa vem sendo pago pelo Ibama por recursos repassados pelo Fundo Amazônia.

RECURSOS SEM RENOVAÇÃO

O financiamento atual, assinado em 2018, prevê o repasse de R$ 140 milhões para apoio logístico a operações na região, dos quais R$ 128 milhões já foram gastos. Como o Fundo Amazônia está parado desde que o governo federal alterou a composição do conselho gestor, o contrato não pode ser renovado com a mesma fonte de recursos.

A ex-presidente do Ibama Suely Araújo, que assinou o contrato na sua gestão, afirma que o esgotamento dos recursos preocupa e o incidente pode atrapalhar os trabalhos neste ano.

— O problema é ficar sem essas máquinas e sem saber quando outras poderão substituir, porque esse contrato tem poucos helicópteros. Na minha época eram entre cinco e seis, não sei quantos estão em operação agora — diz a advogada, que hoje trabalha como consultora da coalizão de ONGs Observatório do Clima.

Para a ex-presidente do Ibama, se o incidente reduzir a frota do instituto por muito tempo, trabalhos mais complexos podem ser prejudicados.

—Tem operações na Amazônia que não dá para fazer sem helicóptero. O Grupo Especializado de Fiscalização, que o pessoal apelidou de “Rambos do Ibama”, só opera em lugares de difícil acesso e eles precisam chegar e sair rápido —conta.

Não está definido quanto tempo levará para que o aparelho seja reposto, mas o custo do dano deve ser coberto pelo seguro.

Há suspeita de que o incêndio seja uma retaliação a ações do Ibama contra garimpos da região, não confirmada ainda pelas autoridades. Diversas operações têm sido realizadas para combater a mineração ilegal na Amazônia. Foi o caso da extração ilegal de ouro no Rio Madeira, em que mais de 400 balsas de garimpo formaram uma cidade flutuante, com cerca de 3 mil pessoas, em novembro.

ORÇAMENTO MENOR

Os cortes no Orçamento de 2022, sancionado com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro, impactaram diretamente o Ibama. Como publicado ontem no Diário Oficial da União, o presidente cortou quase R$ 8,6 milhões em recursos para combater o desmatamento. O dinheiro iria para a prevenção e o controle do fogo.

Suely atribui os ataques que o Ibama vem sofrendo a ações do próprio governo federal na gestão do presidente Jair Bolsonaro.

— Tem um “liberou geral” para crimes ambientais, e está partindo do próprio presidente uma deslegitimação dos fiscais. Isso provoca reações em campo — criticou a advogada.